24 de agosto de 2023
ROBERTO DAMATA
A profunda reflexão desta sentença francesa faz parte de todas as vidas. Quem viveu tempo suficiente para ter consciência ou fé em si mesmo, sentiu-se relacionado e, ao mesmo tempo, experimentou a solidão da individualidade. O tal “ficar sozinho” ou “estar sozinho”, que em muitos casos é uma bênção – Greta Garbo, estrela beldade do cinema antigo exclamava “I want to be alone!” (deixe-me ficar sozinha) –, revela uma ausência de elos com o mundo e com as pessoas deste mundo.
No Brasil, creio que a solidão é cuidadosamente evitada. No meu tempo de menino e jovem, foi um castigo. A professora nos tirava da sala de aula (onde, em bando, fazíamos “bagunça” que é, de fato, um protesto coletivo) e nós vivíamos, como os velhos romanos, o exílio do isolamento que era mais cruel que a morte.
O modelo extremado do isolamento é a “solitária” – uma modalidade de punição na qual o punido pela prisão (um isolamento obrigatório dos laços sociais) fica absolutamente sozinho –, um castigo cruel porque impede a comunicabilidade, esse traço que nos humaniza. O ficar sozinho numa “solitária” impede o que mais prezamos: a capacidade de estabelecer relações com todas as pessoas e coisas que nos envolvem.
Morremos um pouco nas despedidas, porque somos feitos de muitas outras coisas e pessoas… Neste morrer retórico, mas, não obstante, sentido, reconhecemos o papel dos outros na nossa vida. E o nome dessa ausência é saudade – a desmesurada falta do outro, o amor.
Se há um mandamento humano que nos determina pela raiz, esse mandamento é: comunique-se, fale, diga, grite, reclame, reze, oriente-se principalmente para fora de si. Ame o próximo como a si mesmo é, indubitavelmente, a pérola desse axioma-necessidade que nos torna Homo humanus, conforme gosta de remarcar Thomas Mann. Aliás, nem todos “viram” ou têm consciência de que nos tornamos “humanos” por meio de relações que se formam com o inocente “ensinar a falar”, que é o ato original do imenso pertencer na complicada tribo chamada Humanidade.
Humanidade cujas condições, valores, variedades, histórias, deveres, virtudes, circunstâncias, maldades e rotinas nos escapam. Mas o ponto central é que tudo começa num desligamento – nesse alicerce da liberdade do nascer, sair e desatar-se de um outro. E, no processo, de aprender a falar com ele, de ouvir a si mesmo e de escutar todo mundo.
Não seríamos nada sem esses outros e o amor (ou os amores, porque eles são muitos…) pelos outros. Esse amor daquela saudade que corta o coração e tem o seu nascimento infalível nas separações. No adeus – ao Deus que vai nos reunir no além de onde viemos e, no ato final, quando dormimos serena e profundamente naquele sono refrescante, plácido e sem sonhos…
ROBERTO DAMATTA é antropólogo.