ADAÍLTON ALMEIDA DE SOUSA
Migalhas de esperança
A idosa caminhou a passos lentos e sentou-se no banco de sempre, aquele atrás do coqueiro, em frente à padaria, onde tinha a vista perfeita e podia sentir o aroma de pão assado.
A praça estava cheia, crianças soltavam pipas no céu limpo, ambulantes vendiam pipoca e algodão-doce, formava-se uma fila na sorveteria. Era uma tarde agradável de clima ameno, meados de agosto.
Então, a mulher repetiu o ritual que fazia aos sábados: retirou da bolsa um pedaço de pão adormecido e aos poucos foi esfarelando.
Os pombos começaram a rodeá-la, fazendo-lhe frívola companhia, alguns desconfiados, outros mais ousados chegavam mais perto, de modo geral, as aves se aproximavam e lutavam pelas migalhas que caíam no chão.
O olhar vago da anciã percorreu a praça, com os pensamentos perdidos em devaneios, momentaneamente viajava no tempo e os olhos ficavam fixos em um ponto qualquer, enquanto a memória caminhava.
Nessas ocasiões se lembrava da mocidade, da vida antes da viuvez, tão ingênua como os pombos, mas com uma coragem de brigar vigorosamente pelo que queria, fosse a migalha que fosse.
Passado alguns instantes, as aves já tinham consumido todo o pedaço de pão e, pouco a pouco, se afastavam, então ficava sozinha novamente, o coração cálido, mas o banco frio.
Não tinha medo da solidão, que estava em seu encalço há muitos anos, acostumou-se a ligar o rádio e dançar sozinha, também já não temia o tempo, pelo contrário, as rugas lhe trouxeram ousadia e certa dose de subversão, encolhendo a timidez de menina.
Quando se toma noção da brevidade e da incerteza que é a vida, não há tempo a desperdiçar, cada migalha é preciosa.
Porém, nos momentos em que a solidão chegava ainda mais perto e a apertava, ou quando os netos, já crescidos, demoravam a visitá-la, ela se distraía: conversava com as plantas, fazia quitandas e distribuía às crianças que jogavam bola no campo do fim da rua, e, se estivesse mais ousada, ia para a praça, como naquele dia.
Com a despedida da tarde, a noite chegou cobrindo o céu com seu manto de estrelas, como um vasto véu de noiva, encantando ainda mais a praça. Aquele era o momento mais extasiante.
Espiou os jovens casais sentados no banco mais à frente, os olhares que trocavam carinho antes mesmo do toque das mãos.
Abaixo de um poste, notou um folheto fixado, provavelmente de alguma cartomante: “Trago seu amor de volta em três dias” ̶ Anunciava.
Inspirou profundamente, guardou o papel de pão na bolsa. Os olhos, então, desviaram-se para a padaria e lá permaneceram por um tempo, o suficiente para ver que se apagavam as luzes, sinalizando o fechamento do estabelecimento.
Era chegado o momento tão esperado, que lhe fazia cócegas involuntárias e acendia-lhe o rubor nas bochechas, cores que revitalizavam o cotidiano pálido e despertavam a menina adormecida.
Do estabelecimento saiu o padeiro, o qual, como sempre, acenou e abriu-lhe um sorriso de menino emoldurado em uma barba grisalha.
A anciã correspondeu ao sinal.
Após o homem cruzar a rua e se aproximar para atravessar a praça, a mulher não conteve o sorriso caloroso, sutilmente ajeitou os cabelos e endireitou-se no banco.
O homem lhe entregou um embrulho com sobras de pães, para que a mulher continuasse o ritual na semana seguinte, a garantir a alegria dos pombos, depois disso se despediu.
A mulher o observou se distanciar. As rugas não tinham consumido suas esperanças, pois a paixão a mantinha acesa e jovem. Aliás, em sua bolsa, além de farelos de pão, guardava em segredo um batom vermelho.
ADAÍLTON ALMEIDA, escritor, integra a Associação Cultural dos Escritores de Passos e Região, cujos membros se revezam na autoria de textos desta coluna aos sábados