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Dia a Dia

PATRÍCIA PEREIRA

Pensar dói?

Nem bem eu chegava da escola, já fazia o dever de casa. O meu propósito era ficar disponível para brincar o resto da noite e dormir na manhã seguinte livre das obrigações escolares.

Mas como rapidez na execução de tarefas escolares e autonomia nem sempre andam juntas, mamãe era acionada a todo instante. A cada pergunta que eu fazia, ouvia dela a mesma resposta e suas variantes: “Menina, cabeça foi feita para pensar” ou “Filha, pensa direitinho, pensar não dói nada”.

Dois passos e uma casa acima da nossa, a conversa era um pouco diferente e um tanto quanto confusa.
Cresci ouvindo que os meus avós abandonaram a roça para os filhos estudarem na cidade, o que me fazia deduzir que o estudo era algo de muito valor para eles.

Mas o que me deixava confusa era a expressão usada por vovó quando alguém fazia alguma trapalhada (burrice) bem sucedida, ela gostava de dizer: “Santa Ignorância”.

Como poderia alguém valorizar a educação e enxergar virtude na ignorância?
Naquela época, a minha cabeça infantil era incapaz de compreender ironias. Mas sendo a vovó uma mulher à frente do tempo, desconfio que não estivesse ironizando, mas percebendo que “ser ignorante” no sentido etimológico da palavra (aquele quem desconhece certo assunto) tinha e tem os seus benefícios.

Lembro-me de acompanhar uma amiga num consultório médico. Enquanto eu me preocupava com o tratamento desgastante pelo qual ela se submeteria, por desconhecer a própria doença, ela só queria saber se poderia continuar com os saltos, a maquiagem e curtindo nas baladas. E, até o final, usou salto fino, batom vermelho e aproveitou as festas da vida. Santa, Bendita, Maravilhosa, ignorância.

O desejo pelo conhecimento, seja acadêmico ou de vida prática, sempre esteve conosco.
A educação é essencial para a evolução da humanidade, com ela apreendemos conteúdos, refletimos, elaboramos o nosso próprio pensamento e modificamos a realidade.

Discordo de mamãe quando ela diz :“Pensar não dói.”Pensar dói, dói muito.
O saber nos faz mais lúcidos e reflexivos sobre a vida, e penso que viveria bem mais tranquila se não soubesse das crises humanitárias, dos refugiados de guerras, da violência contra crianças e idosos e das pandemias. Viveria bem mais feliz na ignorância.

Pensar dói porque expande a nossa mente para assuntos delicados, e também porque, assim como um buraco sem fundo, nutrimos um desejo sem fim pelo que não conhecemos e insatisfação perene pelo que já sabemos.
Pensar dói, porque descobrimos que nem todo saber do mundo é capaz de parar ditadores fazendo guerras. E apesar da impotência humana ter se revelado durante a pandemia do Covid 19, ainda há estudiosos que acreditam estar no controle da vida.

No livro “O Mochileiro das Galáxias” de Douglas Adams, uma civilização procura respostas para os seus dilemas existenciais e busca num super computador a possibilidade de explicá-los. De fato, após sete milhões de anos, o robô explica à sociedade perscrutadora. E a resposta do computador, após milhares e milhares de anos, sobre qual seria o sentido da existência, resume-se no número quarenta e dois.

Para quem desconhece o livro, o número quarenta e dois é uma piada irônica do autor para dizer que todo conhecimento do mundo não serve para esclarecer as nossas angústias. Pensar dói, porque descobrimos que embora o conhecimento nos deixe mais instruídos, ele continuará capenga em nos dar respostas sobre nossos dilemas existenciais diários.

PATRÍCIA LOPES PEREIRA SANTOS, graduada em odontologia (PUCMG) e direito (Fadipa), mestre em Políticas Públicas e Desenvolvimento Regional (Unifacef- Franca) e Especialista em Direito Público (Faculdade Newton de Paiva), é servidora pública do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. E-mail: acitripa70@ gmail.com

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