12 de agosto de 2023
BENEDITO JOSÉ
Diferente do estado depressivo, a noite escura da Alma não o deixa imobilizado, ainda que sem força de vontade. Na depressão o paciente evita pensar, questionar, entender, desafiar-se, mudar de percepção, socializar-se, cuidar de atividades rotineiras, pois tudo parece consumir forças que não tem mais. Na noite escura, a pouca força que lhe sobra é usada para questionamentos espirituais, diante da perda de sentido da vida, sem resvalar para pensamentos suicidas.
É um mergulho no vazio em busca de Deus, o desaparecido, aquele que lhe abandonou, o Deus existente, mas distante demais para soprar seus dias com novo entusiasmo. Nenhum dos cinco sentidos o encontra, passando assim por uma purificação deles. Nenhum sentido é suficiente para encontrar respostas e soluções, saídas ou atalhos que acelerem o processo.
A duração da noite escura é atemporal, pode durar seis meses ou 45 anos, dependendo do apego às recompensas que anteriormente pautavam o relacionamento com Deus, mesmo que seja o desejo de fazer caridade movido por obrigatoriedade, ou compromisso com alguém, ou alegria do ego, ou auto imagem na comunidade de origem. O isolamento torna-se natural, embora evitado.
Os pensamentos confusos geram um turbilhão de dúvidas e angústia diária, diante da falta de sentido e propósito para a sua vida. Contudo, a depressão é mental, emocional e comportamental, mas a noite escura é exclusivamente espiritual. Mais do que transição, ela é um processo de autopercepção como Espírito, sem necessidade de corpo físico que o torne impuro no mundo.
Ao sair da referência do self como corpo, gera-se um vazio interminável quando tudo lhe parece ser retirado, até a esperança. Por ser um processo espiritual, a energia disponível investiga constantemente a ausência de Deus no mundo exterior, porém sem perder a fé, jamais. Fé vira sintoma de teimosia, inconformismo, motivo único de respirar.
Após a purificação dos sentidos e os questionamentos espirituais, a pessoa se vê como Espirito errante, pecador, perdido ou desorientado existencialmente, uma mente espiritual presa aos acontecimentos externos e assustada com sua exclusão deles. Conversa-se muito consigo mesmo nesta fase.
Aqui existe um perigo, o de teimar nas próprias crenças do ego e sucumbir em desequilíbrios mentais. Pouco a pouco percebe-se a falta de alicerce na fé expressa até então. Vivia-se um relacionamento de barganha com Deus, um toma lá dá cá, uma imaturidade espiritual de se ver como centro do universo e no direito inalienável de ter um Deus imediatista e pronto a lhe servir no primeiro grito de socorro.
Essa tomada de consciência desencadeia o processo de purificação do Espírito, cujo próximo passo visa procurar Deus dentro de si mesmo, nas entranhas do Ser, no silêncio da alma, na percepção energética da força divina que a tudo permeia dentro da existência.
O quarto passo acontece quando se percebe a Presença Divina respeitosa e amável sempre ao seu lado, sem nunca ter lhe abandonado, pulsando como fagulha. Esta percepção abre o coração para novas vibrações de amor incondicional, de entrega divina de forma totalmente consciente, agora sem a necessidade de se ter benefícios no relacionamento com Deus.
Não é preciso sentido nem propósito, apenas se devolver completamente à Deus e vivenciar rotineiramente todas as frases da oração Pai Nosso. Finalmente, aprendeu-se a orar com a alma e não mais com a mente, saindo da noite escura da alma e entrando no dia claro da libertação.
Todo estado depressivo pode ser direcionado para o processo da noite escura da alma, se for entendido como a noite escura do ego. Ao espiritualizar os cinco sentidos, ao colocar Deus em cada sensação e em cada percepção, em conta gotas diárias de aceitação, o paciente abraça a paciência, confia mais em si e em Deus, espera sem expectativa, neutraliza a própria narrativa, olha para o sol e acende a esperança que sempre existiu por trás do céu nublado. Sabe que não precisa fazer grandes coisas, basta as pequenas. Sabe que as emoções tem data de vencimento, sendo descartadas imediatamente em cada manhã de vida que se renova.
Ri de suas memórias, sem culpar-se mais pelo tempo perdido. Significado é a gente que dá. Amor é a gente que sente. Beleza é a gente que vê onde quiser. Cada alvorecer pinta uma nova tela divina para quem quiser contemplar ou comprar e pagar o preço da felicidade. Cada alvorecer é um novo dia claro da alma.
BENEDITO JOSÉ, escritor, integra a Associação Cultural dos Escritores de Passos e Região, cujos membros se revezam na autoria de textos desta coluna aos sábados