ANTONIO CONTENTE
Essas impotências d’antanho
Circulam pela internet, faz tempo, várias postagens narrando curiosas circunstâncias ocorridas na França do século XVII e antes. Tal período é citado com bastante ênfase por relatar que nos dias de Luis XIII, Luis XIV etc., o famoso Palácio de Versalhes não abrigaria grandes preceitos de higiene.
Por exemplo: vasos com reais (de reis…) doses de cocô e xixi seriam atirados pelas janelas por falta de sanitários; e juram também que as mulheres circulavam com as saias imensas para tentar circunscrever os maus odores que exalariam. Daí é que viria o grande aprimoramento francês na busca de perfumes…
Efetivamente a comparação do passado com o presente leva a dados realmente curiosos. Como era a vida sem automóveis e aviões? Ou sem geladeiras e computadores? Você pode cair em mil perguntas dentro desta temática e, uma delas, o jogará, fatalmente, no universo dos remédios. Penicilina. Já pensaram o que seria de nós sem ela? E olhe que nem é tão velha, pois começou a se popularizar quando a II Guerra Mundial ainda matava gente.
Assim foi que, dia desses, na nossa mesa de fim de tarde no buteco das sibipirunas na qual as idades dos membros efetivos, somadas, atingem algo como uns 3.000 anos, alguém de repente murmurou, com um suspiro:
— Não consigo entender, não entra na minha cabeça como poderia ser o mundo sem o Viagra.
O silêncio que se “ouviu” foi absolutamente sepulcral. Até que um famoso empresário ergueu o indicador para murmurar, solene:
— Como seria o mundo, meu caro? Inviável. O remédio que você citou impediu o armagedon!
Exageros à parte, a verdade é que a luta para evitar o apocalipse da frase acima é mais velha do que muita gente pensa. Lembrei imediatamente de um livro que li recentemente chamado “Afrodisíacos e Antiafrodisíacos”, escrito por John Davenport no século XIX, ora reeditado.
Lá ele conta que desde sempre tanto os homens como as mulheres (é, elas também usam…) catam os estimulantes nos reinos vegetal, animal e mineral. E cita, logo de cara, as orquídeas, ao lembrar que “orchis”, em grego, é testículo. E, junto com elas, um dos mais eficientes para animar os homens com as forças combalidas na hora agá, seriam miolos de perdiz devidamente torrados.
Não, puro, não. Misturado ao vinho.
Aqui no Brasil a parafernália dos estimulantes em geral dão adubo a folclores, porém, o uso de certos, digamos, remédios caseiros, teria transformado muitos oitentões, especialmente no Norte e Nordeste, em genitores tardios de guris nascidos com as caras dos pais. Dois desses milagrosos produtos: chás de catuaba ou de marapuama. Cascas de árvores.
Na verdade as ainda usadas “garrafadas” que são procuradíssimas na famosa Feira do Ver-O-Peso, em Belém do Pará, nada mais são do que a reedição dos “filtros do amor” do século XVII. Contam que famosa cortesã inglesa não conseguia se entrosar direito com certo rei porque ele não daria mais no couro. Pois graças a um desses filtros, o soberano teria se tornado ardente amante da moça; que acabou enforcada pelas urdiduras nefastas do poder.
Narram que a tradição europeia dos filtros teria chegado à parte mais a oeste da Europa com as invasões romanas. Há registros escritos de que os camelôs (é, eles vêm desde então…) da época dos Césares apregoavam nas ruas de Roma a versão dos Viagras d’antanho. Algumas fórmulas usavam rãs vivas, sanguessugas idem e tutano seco. Cronistas de então garantem que era tiro e queda.
Quem conta algo como me atrevo agora sobre tema tão fascinante, não pode deixar de recordar o que os religiosos faziam para impedir que seus discípulos usassem produtos que certas religiões capitulavam como indutores do pecado. Chocolate, por exemplo; os monges o colocaram no index. Do mesmo jeito que, para evitar a fuga de fiéis rumo à perdição, induziam ao consumo de brochantes.
Alguns ainda hoje abundantes no mercado: alface, pepinos, endívias, limões, cânfora e leite.
Agora, para terminar, acho que quem melhor entronizou a luminosidade dos remédios para a “disfunção erétil” no real contexto de sua importância, foi, voltando à nossa mesa do buteco, conhecido poeta e saxofonista que a frequenta. Ao nos dizer, erguendo a fronte, solene:
— Pra mim o Viagra é mais importante do que a penicilina. Afinal, os antibióticos curam; já a bendita pilulazinha azul ressuscita…
Entre os que ouviram, nenhum contestou.
ANTONIO CONTENTE – Jornalista, cronista, escritor, várias obras publicadas. Entre elas, O Lobisomem Cantador, Um Doido no Quarteirão. Natural de Belém do Pará, vive em Campinas, SP,