Dia a dia

Dia a Dia

4 de agosto de 2023

MARLI GONÇALVES

Violência e profissionais da Saúde

Ao abordarmos o tema da violência, é fundamental reconhecer que ela não se limita apenas à criminalidade, mas abrange também nossas interações e comportamentos no convívio social. A epidemia da violência se manifesta de diversas formas, seja através da agressão direcionada a si (autoagressão) ou a outros (heteroagressão), sendo exacerbada pelo precário e sobrecarregado sistema de saúde estatal, refletido no aumento das filas de atendimento.

No entanto, devemos compreender que a violência não é uma questão restrita apenas ao campo da Medicina, mas sim um fenômeno que abarca todos os campos do conhecimento humano, e, por isso, não pode ser reduzido a aspectos técnicos que negligenciam a singularidade de cada indivíduo.

Partindo da premissa de que o ambiente estável é essencial para o crescimento somático e o desenvolvimento psicossocial de uma criança, os profissionais da saúde desempenham um papel crucial na luta contra o histórico problema da violência. Além disso, é de suma importância reconhecer a relevância da vida intrauterina, um período de descobertas revelado pela moderna ciência, e que influencia diretamente a vida aqui na Terra.

A agressividade, por si só, é uma força impulsionadora essencial para a saúde, uma vez que motiva a ação, a busca por objetivos e o movimento. Contudo, é imprescindível distinguir “agressão”; de “agressividade”. Agressão refere-se a ações hostis com a intenção de causar dano, enquanto agressividade representa a utilização da energia para agir e buscar alcançar algo desejado. A violência, por sua vez, pode ser compreendida como a agressividade com fins hostis.

Um ambiente carente de acolhimento pode levar crianças, adolescentes, jovens ou adultos a se tornarem pessoas potencialmente violentas ou com problemas psíquicos. Quando a sociedade não consegue suprir as necessidades de uma criança, inevitavelmente surgirão consequências no futuro.

Crianças e jovens que se sentem prejudicados direcionam suas ações para o exterior, o que pode resultar em comportamentos antissociais, agressividade e violência. Essas atitudes podem ser encaradas como uma forma de resposta à falha da sociedade em atender suas necessidades.

Ao longo da História, diversas visões do ser humano foram formuladas, enfatizando diferentes dimensões humanas. Alguns pensadores consideram a violência como uma característica primordial do ser humano. No entanto, essa concepção não deve ser interpretada como algo inerentemente destrutivo ou malévolo, mas sim como uma faceta complexa e inerente à existência humana. A eficácia da violência depende do grau de atomização social, no qual toda forma de oposição organizada deve ser extinta para a violência poder enfraquecer a coesão social.

Para reduzir a violência, não basta acoplá-la apenas a medidas simples ou abordagens policiais e judiciais do governo ou da sociedade. A questão é mais complexa e a melhoria de renda não garante automaticamente a diminuição da violência. A família continua sendo o principal espaço de aprendizagem social, independentemente das mudanças culturais trazidas pela globalização, consumismo e outros fatores. É essencial fortalecer a família para que ela possa desempenhar um papel fundamental na construção de uma sociedade mais pacífica e justa.

Nesse contexto, os profissionais da saúde têm a responsabilidade de reconhecer a necessidade de ir além dos limites exclusivos de sua profissão e promover a saúde em sua concepção mais ampla, abrangendo aspectos individuais, coletivos e ecológicos. Especialmente em países de dimensão continental e com grande população, onde desigualdades sociais e regionais são significativas é essencial que os profissionais da saúde possuam uma formação mais humanística, capaz de entender e atuar nas complexas dinâmicas que envolvem a violência e suas raízes na sociedade.
Somente mediante uma abordagem integral e colaborativa poderemos caminhar em direção a uma sociedade mais harmoniosa e livre da violência.

MERALDO ZISMAN – Médico, psicoterapeuta. É um dos primeiros neonatologistas brasileiros. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha).