DÉCIO MARTINS CANÇADO
As crises nossas de cada dia
Estava convicto de que jamais usaria a expressão: ‘Parece que foi ontem!’, mas desta vez, senti-me compelido a usá-la. Acredito ter cumprido, com o máximo de dedicação e da melhor forma que me foi possível, todos os desafios que a vida se me apresentou; o retorno recebido por parte das pessoas com quem convivo, nos diferentes lugares e nas diversas situações do dia a dia, deixa-me a certeza de que tenho cumprido a missão com qualidade.
Tenho convicção de que meus ‘talentos’ não ficaram enterrados, como na passagem Bíblica. São cinquenta anos de atuação como educador e quase vinte e um como colunista deste jornal. Acredito ter contribuído, mesmo que com pequena parcela, para que esta geração tivesse novas perspectivas; que Pais e Educadores tivessem subsídios para atuarem melhor em seus meios.
Em primeiro lugar, é preciso que entendamos, definitivamente, que não temos como viver sem enfrentar situações adversas, inesperadas ou indesejáveis. O simples fato de termos uma convivência diária com pessoas diferentes de nós já propicia divergências, advindo daí o que, comumente, é denominado de ‘crise’. De acordo com alguns estudiosos do assunto, a presença de ‘crises’ na pessoa humana é essencial para a manutenção do equilíbrio psicossocial.
É a presença de uma crise que demonstra se uma pessoa já se encontra em sua fase adulta, capaz de resolver situações inusitadas, desafiadoras.
Para quem é jovem, não apenas no aspecto cronológico, mas no sentido de atuação no meio em que vive, “a crise é para sempre”, pois quem não a tem, está acomodado, ou já morreu por dentro.
É relativamente fácil entender isso quando nos conscientizamos de que nada na vida é estável, que tudo está em constante movimento e mutação, mesmo que nos isolemos de tudo e de todos, as coisas continuam acontecendo e se modificando ao nosso redor.
Senão vejamos: A pessoa tem uma ‘ideia’ a respeito de um determinado assunto, ‘estrutura-se’ para conviver com aquilo e, quando acha que está tudo resolvido, ocorre um fato novo, uma ‘crise’, e ela então se desestrutura. O que fazer diante disso? Reclamar, blasfemar, parar no tempo e no espaço? É evidente que não.
Faz-se necessário que essa pessoa tenha uma ‘nova’ ideia, torne a se organizar, estruturar-se, até que ocorra novamente outra ‘crise’ que a desestruture, obrigando-a a repensar a situação, e a mudar novamente, e assim por diante, num ciclo dinâmico e contínuo, que a faz se sentir viva e atuante, sempre ‘pronta para outra’, apesar de tantos revezes. ‘Crise’ é sinal de vida.
“As crises você não pode escolher, mas pode escolher a maneira de como enfrentá-las.”
É muito comum, hoje em dia, as pessoas serem acometidas de “depressão”. Com tanta coisa acontecendo conosco, com as pessoas que convivemos, e em nosso ambiente de trabalho, não temos tido a devida percepção do quanto o mundo está dinâmico e envolvente. Saber dizer ‘não’ à invasão de privacidade evita a depressão. Temos que ter atitudes rápidas e enérgicas para enfrentar com sabedoria e tranquilidade os fatores de crise que se nos apresentam.
Dr. Paulo Gaudêncio conta-nos um caso pitoresco, de uma freira que estaria muito deprimida, e que foi consultar-se com um psiquiatra. Nas entrevistas, o profissional sempre perguntava se havia alguma coisa que a desagradava no convento, se alguém a estaria maltratando, mesmo que sem intenção, e ela, em nome da hierarquia e da fé, sempre afirmava que não. Que não tinha raiva nem ódio de ninguém, que sempre perdoava o mal que lhe faziam.
Determinado dia, o médico inverteu a forma de questionamento, perguntando se ela, por acaso, não sentia ‘mágoa’ de alguém, ao que ela prontamente respondeu: – “Ah! Sim, às vezes, eu fico magoada com a Superiora, pela forma como ela me trata, mas eu sempre a perdoo, pois sei que ela é muito ocupada, e que devo obedecer-lhe sempre”, ao que o psiquiatra concluiu em seu diagnóstico: – “Mágoa é o nome que se dá ao ódio de freira”!!!
Muitas vezes, estamos sujeitos a isso também! É preciso ‘abrir o coração’, discutir os acontecimentos e buscar soluções conjuntas para os problemas, sob pena de sofrermos muito, por acumularmos diversas e contínuas ‘mágoas’ em relação às outras pessoas. Por não sabermos resolver as diversas ‘crises’ pelas quais passamos.
Sabemos bem que a passagem da adolescência para a fase adulta, quase sempre, é complicada. A ‘maturidade’ só virá através da vivência de situações adversas, problemáticas, conforme já dissemos. Imatura é aquela pessoa que passa a vida inteira sem ter crise, sem se preocupar com o que está acontecendo à sua volta, como se nada lhe dissesse respeito, pois não aprendeu a enfrentar suas frustrações a curto prazo. Será sempre dependente dos outros, em especial, dos pais.
É bom esclarecer, também, que a palavra ‘dependente’ significa aquele que está ‘pendurado’ (no caso, nos pais) e que ‘INdependente’, significa aquela pessoa que está ‘pendurada’ em si mesma, que se sustenta, que é capaz de resolver seus próprios problemas, suas próprias crises.
Tudo isso faz parte de um processo permanente de educação e formação de cada pessoa. Somos seres ‘aprendentes’, em contínuo crescimento, desenvolvimento, amadurecimento e aprendizagem. Não podemos é ficar estagnados, achando que tudo está consumado.