Dia a dia

Dia a Dia

22 de julho de 2023

SEBASTIÃO WENCESLAU BORGES

Velhos casarões

Domingo passado, pela manhã, fazendo minha caminhada, fui recordando os tempos lá no início dos anos 50 em que, na época, em nossa cidade, só havia casas, nada de prédios.
Adentrei algumas ruas, passei por um velho casarão abandonado, paredes todas descascadas, a cor perdida pelo sol, portas altas de madeira e algumas vidraças quebradas pela ação do tempo.

Na entrada principal havia uma escada larga de poucos degraus, e um portão de madeira impedindo a entrada para o alpendre. Da rua dava para ver o fundo do telhado com telhas comuns, a chaminé de um fogão a lenha que com o tempo já havia alimentado tanta gente, e no quintal um velho abacateiro e pequenas árvores servindo de moradas para os pássaros. Recordei seus moradores, (já falecidos) que por muito tempo foram meus fregueses na Sapataria.

E na memória, voltei ao tempo quando familiares ficavam no “alpendre”, na fresca da tarde, com vasos de samambaias enfeitando este lugar de descanso e de um bate-papo com vizinhos onde se respirava um ambiente gostoso e familiar. Sempre cumprimentavam todos que ali passavam, comentavam os últimos acontecimentos vendo as crianças correndo e brincando pelas ruas e calçadas.

Como era gostoso passar na porta dessas casas e sentir o aroma do café moído! A gente sabia que ali tinha acabado de se coar o café e certamente estava num bule esmaltado, quente, na trempe da chapa do fogão a lenha. As casas ficavam com suas portas fechadas somente com o trinco.

O vizinho, ao chegar, puxava o barbante pendente no trinco da fechadura do lado de fora, abria e gritava: “Oi de casa, tô entrando!” São hábitos que se diluíram com o tempo. Nessas minhas caminhadas ainda observo muitos casarões que nos prendem a atenção e nos dão asas à imaginação, nos proporcionando uma oportunidade de relembrar um pouco o passado ao ver quantas casas e casarões ruídos pelo tempo já foram demolidos em nossa cidade.

Quantas casas estão caindo facilmente dando lugar a construções modernas, outras que abrigam histórias, mesmo com paredes prestes a ruir, mas teimam em ficar de pé. Quantos casarões, mesmo com muitas histórias também vão caindo, cedendo lugar a prédios grandes, frios e sem sonhos ainda, deixando para trás bonitas fachadas que às vezes contavam a história de uma época em que a vida do povo se passava quase que inteiramente dentro de casa, ao contrário dos dias de atuais.

Casas e casarões onde ali casais se amaram, filhos nasciam, faziam travessuras, cresciam e ali se envelheciam. Na cozinha, o fogão alimentado a lenha, o sabor da comida, e o pilão para socar as paçocas. Mas o tempo passou e, por desinteresse ou outro motivo dos herdeiros, são vendidos, e terceiros esfarinham a casa, as paredes caem, limpam o terreno, e ninguém mais fica a saber sua história, porque ali poderá ser construído um prédio ou uma casa, envidraçada por dentro, e por fora toda murada, parecendo uma prisão.

Quando se vê uma casa a ser demolida, penso em quantos planos e sonhos de alguém para construí-la; Mas o tempo passa, os filhos crescem, casam, os pais vão ficando velhos, a casa se esvazia, e muitas vezes o pai e a mãe passam a morar na solidão, não tendo ninguém para compartilhar seu calor e ambiente familiar.

Aí o jeito é vendê- la para alguém demoli-la e construir uma nova, mais moderna, mais confortável. Sem o estilo das antigas portas e janelas, sem trancas e tramelas, sem grades baixas com portão e trinco, piso lustrado com escovão, sem o fogão de lenha com aquele gostoso almoço, e ali, cada cômodo tem uma história, uma vida vivida de uma família. As paredes que riam, choravam e guardavam segredos juntos com seus moradores, e sem também aquele calor humano que só as casas antigas deixam e, tudo vai se acabando com a corrosão do tempo.

Em Passos, ainda se vê alguns velhos casarões que ainda não foram derrubados, que são a lembrança viva de como eram as moradias de antigamente. Mas com o passar do tempo implacável no caminho do progresso e a forte especulação imobiliária, a tendência é, em breve, tudo desaparecer e ficarmos relembrando o passado somente através das fotografias.

SEBASTIÃO WENCESLAU BORGES é membro fundador da Associação dos Escritores e Cia de Passos e Região. Autor dos livros: Memoriando (6ª edição), Proseando (2ª edição), Férias na Roça, e participação em várias Antologias.