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Dia a Dia

PATRÍCIA PEREIRA

Dias Brancos

Sou daquelas que comento sobre o clima dentro do elevador. O silêncio me constrange e sinto-me inquieta por ficar sem assunto.
Se não suporto falta de assunto dentro de um elevador, imagina na folha em branco com o cursor me intimando: “Escreva, escreva, escreva!” Cadê você, assunto?

Na semana passada, ouvi uma cronista famosa comentar sobre “lugar de fala”. Ela disse sentir-se incomodada por escrever textos que abordem questões discriminatórias como homofobia, racismo, xenofobia, misoginia, classismo, bullying, sem, contudo, nunca ter sido alvo destas discriminações.

Das acima descritas, só passei pela última, para minha geração meras brincadeirinhas. É que fui agraciada com dois “zoinhos vesguinhos” e uma cabeça ruim para lidar com os gracejos dos colegas. Os olhos, felizmente consertei na adolescência, já as emoções, bem mais tarde, e vez ou outra, ainda volto para oficina de cabeça.

Pensei: assim como a cronista famosa, eu deveria questionar o meu lugar de fala nos meus textos?
Travei os dedos no teclado do computador. Queria compreender até que ponto isso faria sentido para a minha escrita.
Foram três longos dias de som do silêncio.

O texto dormiu. E acordou!
Também acordei acreditando que não é preciso viver uma experiência para contá-la. Se assim fosse eu não teria escrito nem cinco crônicas na vida.

Fiquei mais confiante depois de conversar com um cronista espetacular: Alexandre Brandão. Esse conterrâneo que vive no Rio de Janeiro acolheu minhas incertezas com a hospitalidade de um mineiro e com o traquejo de um carioca incentivou-me a continuar escrevendo sobre aquilo que me motiva.

É que as histórias Bíblicas sempre me encantaram. Esse conjunto de livros escrito num lapso temporal de cerca de mil e duzentos anos, por mais de quarenta autores diferentes, de forma linear, sem contradições e tendo como tema central a pessoa de Jesus Cristo me instigam.

A minha dúvida da vez: seria possível escrever sobre religião sem fazer proselitismo?
Quem me dera falar sobre pecado e arrependimento sob a perspectiva de um homem moralmente degenerado que mata uma velha agiota e maldosa. Ou conseguir falar sobre o amor por meio de um mundo fantástico, em que uma feiticeira gelada é derrotada pela morte sacrificial de um leão.

Os dois textos nos revelam, respectivamente, que o pecado não é um conjunto de regras morais que definem aquilo que é certo ou errado, mas sim a própria desfiguração da nossa condição humana que pode ser- e já foi- restaurada por meio do perdão e da misericórdia.

Pois bem. Não fui eu quem escreveu “Crime e Castigo” tampouco quem criou as “Crônicas de Nárnia.”
Hoje apresento “Dias Brancos”. É que nos últimos quinze dias labutei com o pensamento e com as palavras, fiquei silenciosa, ouvi quem valia a pena. E o saldo de toda essa elaboração é mais um passo na afinação da minha voz, Patrícia Pereira a partir de hoje.

PATRÍCIA LOPES PEREIRA SANTOS, graduada em odontologia (PUCMG) e direito (Fadipa), mestre em Políticas Públicas e Desenvolvimento Regional (Unifacef- Franca) e Especialista em Direito Público (Faculdade Newton de Paiva), é servidora pública do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. E-mail: acitripa70@ gmail.com

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