POR LUIZ GONZAGA FENELON NEGRINHO
28 de setembro de 2020
A garota de lindos traços físicos, não mais do que 12 anos, me diz que não é de todo feliz. Em calma paternal, faço-lhe ver que é normal. Ninguém é literalmente feliz. Como as nuvens, os dias vêm e vão, no suceder de tempos. Tudo muda. Assim como as ondas do mar, a vida é alternância de forma e movimento. Ora está de um jeito, ora de outro. E assim se vai levando, até quando Deus quer.
Numa jogada desconcertante ao estilo Neymar, me pergunta se sou feliz. Em lascada barafunda, custa-me responder “até que sou”.
Não se dá por vencida com a resposta e volta à carga: “É ou não é?”
– Sim. Por quê?
Numa curiosidade de menina com jeito de adulta, não se faz de rogada:
– Ué, não estamos conversando sobre quem é feliz ou não?
Pelo visto me pega de chofre. Replico:
– Esse negócio de felicidade é muito complexo… Envolve muitas coisas, muitos fatores.
Intervém, sem pedir licença:
–O senhor há de me desculpar, mas só quero saber se o senhor é feliz de verdade. Também quero saber o que é felicidade.
Desta vez não tenho tempo para pensar. E abro o verbo, sem meias palavras:
– Olhe aqui garota, a gente trabalha, tem ocupação e não tem muito tempo para ser feliz como muita gente julga ser. Se é que me entende. Essa tal felicidade é como pluma que o vento vai com ela brincando, num embalo, jogando-a de um lado a outro.
Foi o que deu pra arrumar, com a ajuda do poetinha Vinicius em sua ‘A Felicidade’, canção feita em parceria com Tom Jobim.
Insatisfeita com minhas ponderações cuida de fazer as suas, em tom até certo ponto professoral:
– É que meu pai fala que a gente pode ser feliz se achando feliz e fazendo o que gosta. E que a gente pode ser feliz em qualquer lugar. Tanto em Passos como Pratápolis, Formiga, Divinópolis ou Ribeirão Preto. E que a felicidade é um estado de espírito de cada um e de cada momento.
Por todos os juros – oficiais e extraoficiais –, com essa não contava. O ensinamento paterno me desbanca. Sintetiza o óbvio. Tento assim pôr ordem na brincadeira.
– Está bem. Seu pai está certo, ser feliz é isso aí. A felicidade está dentro da gente, onde estamos e onde a colocamos. Vamos então acertar a situação.
Faz cara de menina dengosa de filme de caubói, sardinhas pontilhadas no delicado rosto. E vai adiante:
– Ora, parece que o senhor não está gostando e apela. Agora que está ficando boa a prosa, o clima. Posso até dizer que estou feliz com a troca de informações.
Meio desconcertado, para não falar por inteiro, me fecho em casulo com pés descalços. [Casulo com pés descalços? Isso não existe! É obra de louco com pés descobertos no deserto]. Ih, piorou! Então digo à insistente interlocutora:
– Façamos o seguinte: vá fazer seus deveres escolares ou jogar games… Tenho o que fazer.
Como que trovoada num verão carregado de nuvens incertas, eis que me desafia com mais uma, em xeque-mate:
– Já fiz meus deveres de casa, games só mais tarde, com autorização de meus pais. Quer dizer então que não quer falar mais sobre o que é ser feliz e a felicidade?
Última chance, paciência no limite, recorro-me a uma antiga definição, prosaica e vaga, àquela altura que pudesse me tirar de águas revoltas em que me metera. E lanço redes ao mar:
–Está bem. Vou falar o que entendo por ser feliz e felicidade na grandeza. E avaliar se alguém é realmente feliz. Está preparada?
Impaciente como toda garota na dinâmica de atos e processos de renovação, físico e mental: – “Fala logo, fala logo…”
– Ser feliz é respirar o ar livre da paz e da tranquilidade do dever cumprido. Ao tempo que felicidade é quando estamos bem conosco e com nossos semelhantes…
Numa cortada de fazer inveja a Bernardinho em áureos tempos de vôlei, não deixa por menos:
– E como sabemos se somos felizes de verdade?
Reflito um pouco e aposto todas as fichas para o fim do que chamo de princípios teóricos:
– Sabe quando você se sente bem, nenhum problema à vista, nenhum tipo de amolação, de sofrimento. Quando o momento é de alegria e entusiasmo… Eis aí o que entendo por ser feliz.
Muxoxo na expressão facial da garota:
– Foi bom. Mas, esclareça: felicidade é só isso? Não tem um algo a mais?
Arremato, em espírito de gala universal:
– Bem. Ponha então Deus em tudo – do princípio ao fim. E será muito, mas muito feliz!
Sem esperar por concessão de ato, faço por deixar o local. Não sem antes olhar de esguelha a garota de amendoados olhos negros.
No instante cuidava de suster com a mão direita o laço vermelho, em realce aprumo os lindos e encaracolados cabelos pretos.
Todavia, a julgar pela expressão facial da oponente, respostas e pareceres concedidos não foram lá essas coisas. Pelo menos se tentou, para a felicidade geral de todos. E a festa se acaba num entrechoque de ideias.
Afinal, a felicidade existe? Não me esqueço. Para a adorável sobrinha Mayumi Mioshi – como comissária de bordo percorreu os cinco continentes _, a vida se resume em life’s moments. Pelo menos é o que está escrito numa foto que guardo com carinho, a mim dedicada há muito tempo.
LUIZ GONZAGA FENELON NEGRINHO, advogado, com escritório em Formiga – MG, escreve aos domingos
nesta coluna.