27 de março de 2025
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Gilberto Almeida
“A verdade jamais persegue os homens; são os homens que a evitam.” – Denis Diderot
Em minhas peregrinações pelo mundo virtual, deparei-me com um site de Portugal chamado Deficiência Visual, onde encontrei uma velha alegoria de H.G. Wells (1866-1946), renomado escritor britânico e pioneiro da ficção científica. Entre sua vasta obra, o conto “A Terra de Cegos” , que vi pela primeira vez décadas atrás quando um trecho foi objeto de análise em um vestibular da USP, traz uma reflexão inquietante sobre a manipulação da opinião pública, o efeito manada e a relativização da verdade em tempos de doutrinação avassaladora.
A trama do conto é simples, mas profundamente simbólica: um homem com visão normal chega a uma terra habitada apenas por cegos. Diferente do que diz o ditado popular, ele não reina; ao contrário, é tratado como um doente que sofre de alucinações. Com o tempo, resigna-se àquela sociedade até que, para sua plena integração, os cegos chegam à conclusão de que devem arrancar-lhe os olhos.
O paralelo com a realidade política e social do Brasil – e de minha querida Passos – é inevitável. Tentar discutir com grupos dominantes, que se agarram a narrativas convenientes, é como viver nessa terra de cegos. O incômodo que causamos ao contestar o óbvio deixa claro: se pudessem, arrancariam nossos olhos sem hesitar.
Digo isso sem ressentimentos, mas com o cansaço de quem dedicou anos a contestar absurdos. Não há mais espaço para o debate quando o presidente da República culpa galinhas pelo preço dos ovos, profere frases preconceituosas sem qualquer repercussão, assiste passivamente ao aumento das agressões ambientais que antes condenava e conta com uma imprensa covardemente silenciada por verbas publicitárias milionárias fazendo vistas grossa até para a corrupção que parece voltar com toda a força. Muitos jornalistas deveriam, por um dever de honra, rasgar seus diplomas, pois transformaram-se em meros prostitutos políticos, traindo o que aprenderam nas universidades.
No meio cultural e nos movimentos sociais, a hipocrisia segue o mesmo roteiro: artistas, grupos feministas e até representantes de outros poderes, outrora indignados, hoje calam-se vergonhosamente diante dos desmandos. Enquanto isso, a economia cambaleia, disfarçada por estatísticas manipuladas que mais lembram um Fusquinha em seus últimos suspiros antes de fundir o motor.
Se no cenário nacional a cegueira é uma escolha conveniente, em Passos a situação não é diferente. O prefeito Diego Rodrigo de Oliveira, reeleito quase por unanimidade, faz um governo marcado pela desorganização e pelo improviso. Não há planejamento, apenas a repetição de erros e o desperdício de recursos. O futuro da cidade se dissolve diante de um loteamento desenfreado de cargos e de um esquema publicitário que mais se assemelha a um aparato de autopromoção. A fiscalização? Inexistente.
E o que acontece quando se apontam essas falhas? A resposta vem na forma de ataques pessoais. Há sempre um bajulador de plantão – muitas vezes um senhor ressentido de outras plagas – que, incapaz de argumentar, recorre a falácias infantis, como dizer que eu critico o governo municipal porque o candidato que apoiei foi derrotado em eleições passadas, ou que residindo na capital, perco o direito de criticar as mazelas abundantes do governo municipal.
E há também os esgotos virtuais, a famosa Esgotosfera e seus perniciosos habitantes, como uma “jovem idosa altruísta” que, devidamente aliciada, distorce fatos e espalha desinformação em troca das benesses concedidas.
Perdi a expectativa de que exista oposição que atue e possa evitar erros e de que as instituições cumpram seu papel de fiscalização. Vejo, cada vez mais, o poder sendo exercido de forma truculenta, como se pertencesse a um grupo e não ao povo.
Por isso, após quase 35 anos do início desta coluna, é preciso refletir muito. O momento exige lucidez – e, acima de tudo, a consciência de que pode não valer a pena, entrar em debates quando o outro polo usa somente argumentos sub-reptícios e nem insistir em abrir os olhos de quem se recusa a ver.