MARCEL VAN HATTEM
Parece que acordamos de um profundo sono coletivo. Acordamos, não. Acordaram. Enquanto a Gazeta do Povo e meia dúzia de outros meios de comunicação noticiavam e denunciavam os abusos de autoridade e vilanias praticadas por Alexandre de Moraes e seus cúmplices, a maior parte dos meios de comunicação brasileiro silenciava. Pior: muitos apoiavam. Como São Tomé que só acredita vendo – ou só passa a deixar de apoiar o arbítrio quando ele se trata escancarado demais, indefensável demais – foi apenas nesta semana que a maré parece ter virado.
As matérias de Glenn Greenwald, na Folha de São Paulo, são uma verdadeira bomba. O mesmo jornalista que há poucos anos foi o xodó da esquerda com a Vaza Jato, agora revela de forma seriada como funciona o gabinete da perseguição e da censura de Alexandre de Moraes. Sem nenhum pudor, o juiz auxiliar Airton Vieira e o servidor Eduardo Tagliaferro, responsável pela orwelliano Assessoria de Enfrentamento à Desinformação do TSE, trocam mensagens de texto e de áudio, por Whatsapp, absolutamente reprováveis e criminosas. Ao sabor de um juiz – que, inclusive, em muitos casos é vítima – são orientados a investigar supostos acusados, pressionados a forjar laudos e provas e, até mesmo, discutidos sobre como jogar para baixo do tapete as ilegalidades que sabem estar cometendo.
É tão cristalina a maracutaia, tão suprema a inconstitucionalidade das ações dos capangas de Alexandre de Moraes que nem os grandes grupos da mídia brasileira, a começar pela própria Folha, conseguiram deixar de reproduzir. E criticar. O inicial silêncio de Alexandre de Moraes foi sepulcral. A primeira manifestação do servidor Tagliaferro, de que apenas “cumpria ordens”, fez lembrar a defesa dos oficiais nazistas que tentaram escapar à punição pelo que fizeram ao povo alemão (judeu, não?) na Segunda Guerra Mundial. No entanto, nesta quarta a corporação reagiu.
Em um espetáculo de bajulação interminável, durante o qual a vergonha alheia de quem tem bom senso e amor à Justiça é inevitável, colegas ministros do Supremo Tribunal Federal faziam elogios e desagravos a Alexandre de Moraes e a seus métodos espúrios. A confirmação de que ele não age sozinho ou, pelo menos, que não age com o conhecimento, a conivência e até mesmo o consentimento e apoio de seus pares, é evidente. O problema, portanto, é muito maior!
Temos um Supremo Tribunal Federal que não representa mais a Justiça do Brasil. É um órgão político autoritário. Uma instituição cuja prioridade maior é defender-se a si mesma, não à sociedade. Um tribunal que mais se assemelha a uma bancada partidária extremista, cujos métodos não se coadunam em nada com um regime democrático. Trata-se hoje de um corpo estranho à nossa democracia e sua depuração é, portanto, absolutamente urgente.
É por esse motivo que faz-se indispensável a realização de três importantes trabalhos, todos de responsabilidade do Legislativo brasileiro. O único verdadeiro representante da soberania nacional pela representação mais fiel possível do povo que vota a cada eleição nos seus deputados e senadores.
O Senado da República, inerte e omisso até aqui como Casa fiscalizadora do Supremo, precisa dar andamento ao impeachment de Alexandre de Moraes bem como, também, dos demais ministros que já cometeram crimes de responsabilidade às pencas. O Senador Rodrigo Pacheco, atual presidente da Câmara Alta brasileira, precisa apenas despachar um dos inúmeros e bem fundamentados pedidos que repousam sobre sua mesa.
A Câmara dos Deputados já tem uma CPI do Abuso de Autoridade do STF e do TSE, protocolada por mim com o apoio de 171 parlamentares. Agora depende apenas do despacho do presidente Arthur Lira para que finalmente seja instalada e inicie os trabalhos de investigação dos crimes cometidos pelos ministros, de ambas as cortes, para a consequente responsabilização de cada um dos delinquentes de toga.
O Congresso Nacional, portanto Câmara e Senado em conjunto, precisa tratar da inadiável Reforma do Poder Judiciário, a exemplo da excelente Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do meu colega Luiz Philipe de Orléans e Bragança, para recolocá-lo no seu devido quadrado constitucional. A tripartição de Poderes de uma República não admite que um seja instrumento de instabilidade do outro, colocando-se acima e até mesmo no lugar dele. O reequilíbrio institucional brasileiro é prioridade máxima.
As receitas, portanto, estão todas dadas. É certo que grande parte da solução passará por melhores configurações das Casas parlamentares, uma vez que o voto popular de 2022 acabou sendo insuficiente para termos um Parlamento majoritariamente de oposição à bandalheira atual. Não podemos, porém, aguardar até 2026. A mobilização popular, única capaz de pressionar os políticos em seus mandatos correntes, precisa ser intensificada exatamente agora.
O Brasil precisa voltar às ruas para que os parlamentares brasileiros convençam-se da necessidade de ação imediata, nem que seja pelo medo de não serem reeleitos, caso não obedeçam à vox populi. É hora de mobilização total e de apoio incondicional às três principais iniciativas listadas acima. Só assim poderemos voltar a viver num país em que tenhamos a tranquilidade de chamar democrático, justo e livre – algo hoje muito distante da realidade que Alexandre de Moraes e seus comparsas estão escancaradamente construindo diariamente no Brasil.
MARCEL VAN HATTEM é deputado federal em segundo mandato pelo Novo-RS, bacharel em Relações Internacionais. É mestre em Ciência Política pela Universidade de Leiden; em Jornalismo, Mídia e Globalização pelas Universidades de Aarhus/Dinamarca e de Amsterdã – Holanda.