POR DÉCIO MARTINS CANÇADO
25 de Maio de 2021
Dizem alguns psicólogos que os adultos “adulteram” as crianças, fazendo com que elas, tão espontâneas, alegres e felizes, sigam as regras que eles, os adultos, criam, estabelecem e acreditam ser o melhor para elas. Eles, adultos educadores, normalmente não conseguem entender corretamente que cada pessoa é única na forma de perceber o que lhe acontece, no ritmo de compreensão e absorção dos fatos.
Aprender é uma construção singular que cada pessoa vai fazendo, a partir de sua própria experiência, exercitando o questionar, o discordar da posição de quem ‘ensina’, de quem ‘detém’ o conhecimento.
A experiência de vida já demonstrou que o tempo desvanece acontecimentos sem conteúdo, lastro, fundamento, sem raízes. Para se criarem raízes, é preciso que haja vida, pulsação e ação. Por outro lado, sabe-se também que o tempo enobrece quem semeia novos amanhãs, abre caminhos, quem proporciona novos olhares sobre a mesma realidade. Eis o grande desafio para os educadores.
O texto abaixo mostra-nos que precisamos preparar nossos alunos e filhos para aprender, permanentemente. Que precisamos abdicar da noção antiga de que ‘ensinamos’ às crianças alguma coisa, de fora para dentro. Conhecimento não se transmite, adquire-se. É preciso desenvolver na criança e no jovem a capacidade de pensar, questionar, descobrir e experimentar, do seu jeito, as novas situações da vida. É por isso que podemos afirmar: Escola que transmite conhecimento, simplesmente, não tem sentido.
Vamos refletir sobre a seguinte situação fictícia: “Um pedagogo preparara minuciosamente os seus métodos e, segundo afirmava, estabelecera cientificamente a escada que permitiria às crianças o acesso aos diversos andares do saber; medira, cuidadosamente, a altura dos degraus para adaptá-la às possibilidades normais das pernas das crianças; arranjara também alguns patamares para se descansar e retomar o fôlego, e um corrimão providencial, que amparava os principiantes.
E o pedagogo zangava-se, não com a escada que, evidentemente fora concebida e construída com ciência, mas com as crianças que pareciam insensíveis ao interesse e aos cuidados dele.
Zangava-se, porque tudo acontecia normalmente quando ele estava presente, vigiando a subida metódica das crianças pela escada, degrau por degrau, a tomada de fôlego nos patamares e o cuidado ao segurar no corrimão. Mas, se ele se ausentava por algum tempo, que desastre e que desordem! Apenas continuavam a subir metodicamente, degrau por degrau, segurando no corrimão e tomando fôlego nos patamares, as crianças que a escola marcara suficientemente com a sua autoridade, como os cães de pastor que a vida treinou para seguir passivamente o dono, e que se resignaram a não mais obedecerem ao seu jeito de cães, transpondo matas e atalhos.
O bando de crianças retomava os seus instintos e as suas necessidades: uma subia a escada de quatro, engenhosamente; outra tomava impulso e subia os degraus de dois em dois, saltando os patamares; havia mesmo as que tentavam subir de costas, adquirindo até algum desembaraço nesse intento. Mas, sobretudo – incrível contradição – havia aquelas, e eram maioria, para quem a escada se mostrava desprovida de atração e aventuras, e que, contornando a casa, segurando-se nas calhas, saltando o parapeito, chegavam em cima num tempo mínimo, muito melhor e mais depressa do que pela escada pseudometódica, idealizada pelo pedagogo; uma vez lá em cima, escorregavam pelo corrimão… para recomeçarem a ascensão apaixonante.
O especialista em educação persegue os indivíduos obstinados em não subir pelos caminhos que ele considera normais. Mas, terá ele perguntado a si mesmo, por acaso, se essa ciência da escada, assim como na ciência da busca do conhecimento, não seria uma falsa ciência (distante da realidade) e se não haveria caminhos mais rápidos e mais salutares, em que se avançasse por saltos e largas passadas? Se não haveria, segundo a imagem de Victor Hugo, uma pedagogia das ‘águias que não sobem pela escada’?”
As crianças sabem que podem voar mais alto, pressentem isso, e buscam isso. Para elas, não há limites para a imaginação, para os sonhos e para as tentativas. Cabe aos educadores oferecer uma boa orientação, colocar os limites necessários sem, no entanto, tolher essa vivacidade e esse potencial latente nos educandos. Como afirmou Rubem Alves: “A curiosidade é uma coceira nas ideias”.