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Cinematograficamente

Foto: Reprodução

ANTONIO CONTENTE

 

A selva, com suas feições e formas absolutamente preservadas como a que me cerca na ilha no delta do rio Amazonas, onde me escondo de vez em quando, guarda certos componentes francamente cinematográficos. A lista dos diretores e produtores da velha Hollywood que pegaram como cenário os verdes e as águas transcendem, naturalmente, os deliciosamente ingênuos filmes de Tarzan. Apenas para citar rapidamente temos “Mogambo”, de 1953, dirigido por John Ford, com Clark Gable e Ava Gardner; “As Neves do Kilimanjaro”, de 1952, dirigido por Henry King, com a mesma Ava Gardner e Gregory Peck; “No Caminho dos Elefantes”, de 1954, dirigido por William Dieterle, com Elizabeth Taylor e Dana Andrews; “Uma Aventura na África”, de 1951, dirigido por John Huston, com Humphrey Bogart e Katerine Hepburn etc. etc. E é essa atração que a natureza virgem ou quase tem exercido sobre grandes diretores, que de vez em quando me vem à mente sempre que estou enfurnado no pedaço de terra cercado de água por todos lados. Especialmente se ocorre algo insólito, como ocorreu certa vez. Quando um pequeno monomotor, voando baixíssimo, passou sobre minha choupana várias vezes, para depois sumir sobre as árvores no rumo do lado oposto da baía. E esta alada presença me remeteu a outro filme que nem cito na lista acima, “Meus Dois Amores”, com Meryl Streep fazendo par romântico com Robert Redford que, na fita, era um caçador que vivia na África e pilotava aeroplanos.

Na continuação lembrei uma época em que negociei alguns argumentos para filmes (as famosas pornochanchadas) com alguns produtores do passado, em Sampa. Recordei então que, estando, nos anos 80, numa área de floresta próxima a uma cidadezinha, no vale do rio Tocantins, fui testemunha, por acaso, de uma situação que poderia render história para um empolgante celuloide. Tudo começou quando, certa manhã, me assustei com um hidroavião a passar rente à minha cabeça para pousar no rio diante da pequena cidade ribeirinha, na margem oposta. Procurei saber do que se tratava e fui informado que o aparelho trazia jovem médica chefiando equipe do Serviço de Saúde do Estado. É que grassava na comunidade uma epidemia de malária. Com a luz de cinéfilo devidamente acesa, parti pra lá.

Bastou chegar diante do precário Posto de Saúde para já começar a ver o filme. Os enfermos não estavam amontoados, havia certa ordem, dando para perceber que as consultas resultariam em algo bom. Agora, impacto mesmo, que me fez tremer nas bases, ocorreu ao colocar meus pobres olhos sobre a doutora. Santo Deus, amigos, vamos falar a verdade, todas as beldades que cito acima como protagonistas de películas famosas, perto dela eram um zero à esquerda. A médica Cláudia, especialista em doenças tropicais, tinha o porte da Gisele Bündchen, só que com as protuberâncias exatas, na frente e atrás, das passistas deslumbrantes das Escolas de Samba. Permaneci durante horas a apreciar a ação da lindíssima criatura que mesmo sob calor senegalesco e sendo obrigada a atender dezenas de pessoas, continuava a exalar a intensa luminosidade da sua beleza. Pelo fim da tarde, esferográfica e caderno na mão, sentei num boteco à beira do rio para começar a escrever o argumento. Fui montando a história a se encaminhar para o instante em que teria que criar o galã para ser o par romântico a contracenar e conquistar a beldade. Mas aí empaquei. Pedi mais uma cerveja e me dispus a recomeçar a coisa no dia seguinte.

Bom, voltei à casa em que estava na margem de lá do rio, toda ornada por floresta belíssima, sem conseguir tirar da cabeça a doutora Cláudia. E de repente saquei que, estranhamente, eu  resistia a inventar o partner que seria a outra banda do pão da cinematográfica história d’amor.

Após, à noite, cansado, e ainda sem encontrar solução para o problema, custei a dormir. Todavia, quando isso aconteceu, fui tomado por um sono profundo, em que sonhei. Sonho esse que, afinal, me resolveu o problema de quem seria o galã. Porém, ao mesmo tempo, me fez desistir da ideia do filme. Pois no meu devaneio onírico a cena que vi foi a fantástica doutora Cláudia vestindo uma tanguinha feita de pele de onça, à beira de um cristalino igarapé. Súbito, saltando de um cipó que o trouxera do alto de uma árvore, o galã pousa ao lado da beldade. E ele não era outro senão eu, também de tanguinha (de couro de anta), a murmurar, enlevado, a bater levemente no meu próprio peito nu e no ombro da indescritível criatura:

— Me Tarzan; you Jane…

ANTONIO CONTENTE – Jornalista, cronista, escritor, várias obras publicadas. Entre elas, O Lobisomem Cantador, Um Doido no Quarteirão.

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