Opinião

“Briga de foice no escuro”

22 de agosto de 2024

Foto: Reprodução

GILBERTO ALMEIDA

 

“Enquanto partidos políticos falarem mais alto do que as pessoas, a política não servirá de nada para o povo.”  – Allison Porfirio

 

Neste ano, teremos eleições para vereadores, um dos processos eleitorais mais desafiadores e competitivos de todos. A corrida pelo voto no legislativo municipal é, sem dúvida, uma das mais ferozes, onde cada candidato luta arduamente para conquistar seu espaço muitas vezes dividindo até mesmo as famílias. Em Passos, temos exemplos emblemáticos dessa batalha acirrada, como o da Família Baldini, que conseguiu a façanha de eleger dois irmãos, Raimundo e Beninho, para a mesma legislatura. Desde o início da campanha, todos os candidatos se veem praticamente eleitos, alimentados pela esperança e pela convicção de que contarão com o apoio  de amigos e aliados.

À medida que a campanha avança, porém, a realidade começa a se impor. As dificuldades emergem, e muitos candidatos, antes cheios de confiança, começam a frequentar os comitês eleitorais em busca de orientação e consolo. Não demora para que boa parte deles se conforme com a provável derrota, e é nesse momento que uma frase, frequentemente proferida, ressoa com uma rara lucidez: “Sempre soube das dificuldades, mas quero muito ajudar o partido!” Essa declaração reflete uma verdade inegável no sistema eleitoral atual: com os partidos precisando alcançar o quociente eleitoral para garantir uma cadeira, torna-se claro que nenhum candidato, por mais votado que seja, consegue sozinho atingir a marca necessária. Em Passos, por exemplo, são necessários mais de 5 mil votos para garantir uma vaga, o que faz com que a votação da chamada “cauda” da chapa seja crucial para completar os votos requeridos.

O quociente eleitoral, expressão matemática do sistema proporcional, muitas vezes produz situações paradoxais, onde o candidato mais votado pode não se eleger, como foi o caso do vereador Geraldo Magela. Mesmo sendo o mais votado ou dos mais votados da cidade, ele viu seu partido não alcançar a legenda necessária, um claro exemplo das distorções que esse sistema pode gerar. A lógica por trás da legenda é fortalecer os partidos, permitindo que representem melhor o espectro ideológico da sociedade. Contudo, é inegável que, na política brasileira, essa questão ideológica muitas vezes fica em segundo plano.

No dia a dia, convivendo com políticos de diferentes partidos, fica evidente que, para muitos, as questões ideológicas não passam de discursos vazios, repetidos incansavelmente por décadas, mas que pouco influenciam suas ações práticas. O pragmatismo, a conveniência e as alianças momentâneas frequentemente falam mais alto do que qualquer convicção ideológica real, o que acaba por desiludir o eleitorado que busca uma representação verdadeira de seus valores e princípios.

Em resumo, a corrida eleitoral para o legislativo municipal é marcada por uma mistura de esperança, desilusão e pragmatismo e uma disputa que se assemelha a uma “briga de foice no escuro”. Os candidatos, inicialmente cheios de energia e otimismo, muitas vezes se veem diante de uma realidade dura, onde a vitória depende tanto do seu desempenho individual quanto do sucesso coletivo de seu partido. E, no fim das contas, muitos acabam se conformando com o papel de ajudar o partido, mesmo que isso signifique sacrificar seus próprios sonhos de se eleger.

Outra realidade comum entre candidatos cuja formação ética é questionável é a de se enredarem nas sombras da política, muitas vezes representada por grupos obscuros de Facebook e WhatsApp, que em Passos, infelizmente, se tornam palco para práticas lamentáveis e por isso gosto de me referir a  estes grupos como “Esgotosfera”. Recentemente, presenciei a conduta deplorável de um candidato que, iludido por promessas vazias, trocou de partido. Agora, à beira do desespero, percebe que sua nova legenda pode não eleger ninguém, ou talvez apenas o candidato mais votado, uma previsão que está  além de suas expectativas.

Esse desespero não é apenas pela perda de uma cadeira na Câmara, mas também pela perda de uma oportunidade de poder e, conforme demonstrado por documentos públicos, de um significativo enriquecimento pessoal. Esse é o retrato de um sistema que, aparentemente, favorece o crescimento patrimonial às custas do serviço público, como no caso infame do filho do Presidente Luiz da Silva, que atribuiu sua ascensão financeira ao fato de ser o “Ronaldinho dos empreendimentos”.

Por isso, é urgente que a tão falada reforma política, que parece sempre estar além do horizonte, finalmente chegue e assegure que os mais votados sejam os verdadeiramente escolhidos. A reforma precisa impedir que questões ideológicas fictícias prevaleçam sobre a vontade popular além de evitar que o sistema privilegie aqueles que hoje estão no cargo. Em Passos, por exemplo, os onze primeiros colocados deveriam, de fato, representar uma cidade que se aproxima dos 120 mil habitantes. Além disso, a fiscalização eleitoral precisa ser mais eficaz e prática, não se limitando a papéis que “aceitam tudo”.

Para evitar que casos de enriquecimento injustificado se repitam, como vimos no âmbito nacional, devemos nos lembrar de uma antiga sabedoria dos tempos da roça:

“Aqui, não assombração!”

Que essa frase ressoe como um alerta para todos nós, para que possamos preservar a integridade de nossa cidade e garantir que o poder seja exercido com responsabilidade e ética.

GILBERTO BATISTA DE ALMEIDA é engenheiro eletricista e ex-político, escreve quinzenalmente às quintas nesta coluna