Opinião

As vinhas da ira, de Jonh Steinbeck

20 de fevereiro de 2025

Foto: Reprodução

Alberto Calixto Mattar Filho

Fiquei muito envolvido com a leitura desse clássico de Jonh Steinbeck. Em 629 páginas, ele narra um amplo cenário em que trabalhadores de lavouras lutam pela sobrevivência nos Estados Unidos de décadas atrás, mais precisamente nos anos pós-depressão econômica de 1929.

Lembro-me bem do instante em que, há anos, um já falecido colega de trabalho veio até e mim e me entregou o livro, dizendo que se tratava de um romance monumental.

No infinito universo da literatura, será sempre comum que nos faltem muitas leituras. Sim, não há dúvidas de que passaremos a existência sem cumprir tantos desejos. “As vinhas da ira” era tão somente um adorno nas fileiras da minha biblioteca.

Até, porém, que surge o impulso, percorro as primeiras páginas e persigo, com avidez, o desfecho, sem me permitir espaço para outras obras. Que ótimo!

O velho Luiz, de fato, estava certo. “As vinhas da ira” é mesmo um extraordinário romance que faz o leitor penetrar mundos diferentes ao viver os dramas de tantos personagens.

Na verdade, reitero que não há arte tão brilhante quanto a literatura para experimentar a vida, o tempo e as circunstâncias alheias, como se pudéssemos realmente nos sentir no lugar daqueles que passaram por outras dores, outros êxtases, outras aventuras.

A história demanda, mais do que nunca, esse tipo de entrega, justo porque ressalta o que talvez seja o instinto mais forte do ser humano, o da sobrevivência. Mesmo em face de obstáculos os mais árduos, vai renascendo, no mais íntimo dos personagens, o anseio de preservação da vida.

Quando tudo parece perdido, eis que surge a esperança capaz de fazê-los aptos para enfrentar os revezes. Em razão disso, acabamos nos imaginando no lugar daqueles que não possuem outra alternativa, a não ser lutar por se manter vivos.

Nos anos seguintes à Grande Depressão de 1929, milhares de rurícolas braçais se veem, portanto, obrigados a viajar imensas distâncias em busca do trabalho que, ao menos, lhes desse de comer. O pensamento que os nutria era partir para onde houvesse alguma chance, já que as dívidas dos proprietários ou arrendatários das terras tornavam tudo ainda mais drástico.

Assim se dá com os membros da família Joad em suas gerações de avós, pais, filhos e netos. Sob o protagonismo da mãe, uma mulher forte e corajosa, vamos viajando com eles, em um desgastado caminhão, nas longas jornadas por terras de conhecidos estados americanos.

Estamos, a bem dizer, em uma espécie de Western, todavia sem índios e cavalos. Um velho oeste das primeiras décadas do século XX, em que caminhões, calhambeques e cidades já um pouco mais evoluídas dão sustento ao enredo.

Ao lado dos dramas dos Joad, vão surgindo também outros personagens em busca do mesmo objetivo, a maioria de homens e mulheres rudes. E não faltam, durante o percurso, os xerifes dispostos a colocar ordem nas possíveis rebeliões, já que ocorre uma série de conflitos, mortes e preconceitos naquele implacável panorama de brutalidades.

Apesar, contudo, das dores de um horizonte em que possuir ao menos o que comer já significava um alívio, o texto prima, sobretudo, pela narração dos fatos. Eventuais reflexões mais profundas devem ficar a cargo dos leitores, pois o autor, num imenso fôlego narrativo, deseja transmitir a realidade nua e crua, inclusive os aspectos de estradas, plantações, acampamentos e natureza.

Steinbeck demonstra então ser um mestre na arte de explorar quaisquer detalhes sem aderir a maiores digressões filosóficas. O que lhe importa realmente é trazer as urgências das necessidades.

São minúcias das viagens, dos problemas do velho caminhão, das esperanças, da superação de obstáculos diante do desemprego e da fome, dos sonhos e desejos, da poeira, do sol e da chuva inclementes, das lavouras de algodão, dos partos em situações adversas, das mortes violentas, da ira inevitável, dos enterros improvisados, das astúcias de comerciantes de beira de estrada. Aquelas vidas precisam agir para escapar da tragédia existencial que as espreita por todo lado.

Em seu estilo ímpar, enquanto cria capítulos próprios para os personagens, executa os paralelos, nos quais arquiteta diálogos e situações imaginárias da crise que determina o destino de todos.

Não sem razão, embora não seja um escritor tão cultuado como Machado, Rosa, Shakespeare e os russos clássicos, venceu o Nobel de Literatura em 1962, e “As vinhas da ira” recebeu também outros prêmios e considerações da crítica,

Independentemente de questões ou interpretações ideológicas das circunstâncias em que o romance se passa, o texto de Jonh Steinbeck deve ser admirado como literatura genuína, essa arte tão essencial para o conhecimento das ambiguidades da natureza humana.

Num momento em que vivemos, sempre mais, as fugazes polêmicas do cotidiano, a literatura apresenta o poder de ser suficientemente sólida para a melhor compreensão do que somos como indivíduos em si e como membros de qualquer coletividade.

Alberto Calixto Mattar Filho escreve quinzenalmente, às quinas, nesta coluna (mattaralberto@terra.com.br).