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Apreender com os Yanomami

 Opinião / PAULO NATIR

Com extrema humanidade, sensibilidade, clareza e muita lucidez, o brilhante jornalista e escritor Alexandre Marino escreveu aqui na última sexta-feira que ao contrário dos índios Yanomami “nós somos uma civilização sem identidade. Imaginamos que a terra é nossa, que os rios são nossos, que a montanha e as entranhas da terra são nossas, mas somos pobres apátridas (sem nacionalidade) perdidos, estamos perdidos há quinhentos anos, desde que os invasores aqui aportaram, implantaram a escravidão, retiraram a riqueza, as árvores, os animais, e aqui se estabeleceram para prosseguir o massacre...”.
Muito arrogante, a extrema direita brasileira sempre achou que os povos originários são um empecilho para o "desenvolvimento" da região Amazônica. Toda tragédia na qual se encontra uma das principais tribos indígenas do país representa uma política de Estado conduzida pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Essa criminosa ação com certeza tinha o objetivo de exterminar o povo yanomami. 
Com peculiar talento, Alexandre assim mencionou a triste situação dos índios: "Os corpos esquálidos das crianças yanomami, que usam suas últimas energias para manter um resto de vida, estão falando conosco, e tentam passar pela barreira de nossos olhos vidrados para buscar em nossos cérebros e corações um recanto de aconchego e acolhimento. Para que aprendemos com eles, tomemos um choque de humanidade para o qual não estamos preparados, tiveram que chegar perigosamente às margens de suas próprias vidas, tiveram de romper a harmonia de seu universo para mergulhar nos fluídos venenosos de nosso mundo em desiquilíbrio. E fomos nós, pobres civilizados, que os trouxemos para o lado de cá dessa fronteira". 

Marino escreveu muito mais veja: “Nós somos o fruto do saque. Nós e nossas cidades caóticas, e nossas favelas, e nossas rodovias, e nossos presídios abarrotados, e nossas hidrelétricas, e nossos carros de luxo presos em engarrafamentos, e nossas crateras abertas pelas mineradoras, e nossos rios mortos, e nossos pastos e seus bois depressivos, e nossa soja coberta por uma nuvem de agrotóxicos. Temos muito a apreender com os yanomami, seres da natureza, que compreendem a linguagem dos ventos e dos animais, ouvem o recado das flores, dialogam com os rios e com a terra, manejam seu alimento e seus medicamentos sem agredir a floresta e sem envenenar seus próprios corpos”. Além de mesquinhos, Marino disse que grande parcela dos brasileiros acredita que viver em comunidade é destruir o patrimônio público, é destruir a história e ainda gritar palavras de ordem a favor do caos e da opressão.”
O poder público e a sociedade se uniram nesse ano para tentar salvar os yanomami de uma crise humanitária sem precedentes. O governo de Roraima está instalando um hospital de campanha nas terras indígenas e ampliou o atendimento à essa população que vem sofrendo demais – principalmente com desnutrição e malária. Muitos já morreram. Outros índios sofrem demais e ainda são registrados vários óbitos apesar do decreto de emergência em vigência – devido a essa gravíssima crise. Hoje as autoridades estão retirando os garimpeiros das terras indígenas. Uma grande força tarefa conduz essas ações que busca “libertar” os povos originários.
Apesar da demarcação, o território yanomami é criminalmente e sorrateiramente invadido, principalmente nos últimos quatro anos, por garimpeiros ilegais. A água então pura e cristalina dos rios presentes nesse território agora está terrivelmente contaminada por metais pesados, sobretudo pelo mercúrio muito utilizado na garimpagem. Mulheres, crianças e idosos são as principais vítimas. Caso não houvesse a alternância de poder na República brasileira a extinção do povo yanomami aconteceria em pouco tempo. Lembrando aqui que o ex-presidente literalmente virou as costas para essa e outras minorias que historicamente vem sendo exploradas e saqueadas à luz do dia em nossa linda e muito desigual.
Vamos todos orar por esse e outros povos indígenas – que foram e ainda estão sendo dizimados. Afinal, como disse o jornalista e conterrâneo Alexandre Marino: “Somos uma civilização selvagem e primitiva, iludida pelos presentinhos dos opressores, pelos anéis e brincos vendidos nas joalherias por uma fortuna. Como disse Renato Russo, nos deram espelhos e vimos um mundo doente”. Bom carnaval a todos!

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