17 de abril de 2024
Foto: Reprodução
RENATO ESSENFELDER
Está todo mundo ansioso. Eu estou ansioso. Nunca me considerei uma pessoa ansiosa. Agora, me rendi.
Está todo mundo ansioso. Quando comecei a dar aulas, lá por 2008, os alunos que tomavam medicação contra algum transtorno de humor, ao que eu soubesse, eram aves raras. Às vezes abordavam-me, depois que a sala esvaziava, e timidamente anunciavam que estavam com dificuldade de acompanhar a matéria porque sofriam de déficit de atenção, ansiedade ou depressão.
Eu sempre me compadecia. Havia, é claro, a possibilidade de alguém dissimular, fingir que sofria o que não sofria, para conseguir algum tipo de vantagem. Não creio que fosse o caso, mas, claro, isso era possível. Ainda que fosse, não me importaria demasiado.
Fingir assim tão bem não deixa de ter seu mérito.
À medida que os anos, e as turmas, passaram, contudo, fui assistindo a uma deterioração na saúde mental dos alunos. Primeiramente, aliás, afetava principalmente a eles, muito jovens e muito suscetíveis a todo tipo de estresse e desilusão.
Depois, progressivamente, molestava os colegas professores, que tinham de equilibrar um número cada vez maior de pratinhos em varetas precárias: cuidar dos alunos, do trabalho, dos próprios filhos e famílias, e, quando possível, de si mesmos.
Parecia nunca ser possível, não sobrar dinheiro – nem espaço.
No máximo, um remedinho.
As aves raras tornaram-se os não medicados, os outrora normais, cada vez mais anormalizados. Como em um filme-catástrofe eu via aquele tsunami silencioso tomando a tela e se aproximando de mim por todos os lados, mas não conseguia reagir, não conseguia interpretar bem o fenômeno.
A ansiedade crescia junto com uma espécie de fobia, de aversão às coisas mais banais da vida. Ninguém mais tinha paciência para lugares-comuns.
A minha vida, quando eu era adolescente, era toda tomada por banalidades que se foram extinguindo: esperar começar um programa interessante na televisão, ler pela décima vez um mesmo gibi, desenhar, escrever, olhar pela janela, brincar, jogar, telefonar e falar com os amigos, gozar a antecipação de um evento no fim de semana, andar pela rua, sentar no banco da praça.
Foi o tempo, foi a internet, foi o capitalismo, furtando a prataria ao pressentir tumulto na festa: os espaços banais acabaram sendo violentamente comprimidos. Ou melhor, ocupados e comercializados. Pouco a pouco, mas também antes que nos déssemos conta dos prejuízos, todos os intervalos entre as nossas atividades principais, antes preenchidos pelo banal, foram sendo eles mesmos convertidos em atividades principais, pocket espetáculos. O tempo foi fatiado em minúsculas partes – vídeos de poucos segundos, memes e sacadas em redes sociais – e brutalmente rentabilizado.
Como se, entre o almoço e o jantar, comêssemos compulsivamente bobagens, esvaziando o sentido do almoço e do jantar.
E, diante desse excesso, tudo se tornou falta, pois nada se destaca na paisagem. Falta e ansiedade.
Afogados em banalidades, já não toleramos nada que seja, apenas e despretensiosamente, banal.
RENATO ESSENFELDER, escritor e professor universitário. Doutor em Ciências da Comunicação pela USP e autor de Febre (2013), As Moiras (2014) e Ninguém Mais Diz Adeus (2020).