Ícone do site Folhadamanha

Alice no país das narrativas

Foto: Reprodução

WASHINGTON L. TOMÉ DE SOUSA

 

O famoso conto de Lewis Carroll (‘Alice no país das maravilhas’), com a história fantástica de uma garotinha que se vê, repentinamente, transportada para um mundo imaginário de muitas maluquices e ameaças, cheio de personagens bizarros, nos deixa uma lição, dentre tantas que podem ser extraídas: a de que só se sobrevive e se escapa dos perigos deste mundo extravagante com autoconsciência e sagacidade de espírito.

“As pessoas enxergam o que desejam, independentemente da verdade” (da série ‘Anne with an E’)

Vive-se hoje – cada vez mais presente no cotidiano de todos – no mundo da realidade virtual. A publicidade e propaganda, já há muito tempo, apropriaram-se deste axioma para gerar desejos e vender seus produtos. A política e os políticos, de igual modo, proferem os seus discursos voltados para alimentar o ego dos eleitores e para vender os seus interesses ideológicos, com raras exceções. E o povo, manipulado e induzido em seus desejos e emoções (“Me engana que eu gosto!”), adere, incondicionalmente, às narrativas que vão sendo criadas, por mais inverossímeis e prejudiciais que sejam. O resultado de tudo isso não pode ser bom. A nossa vizinha Venezuela, com sua ditadura assassina, e os sofridos venezuelanos que o digam. E aqui, no Brasil, não estamos longe disso. Todo o tecido da nação, do Legislativo ao Judiciário, passando pelo Executivo também, vai, rotineiramente, sucumbindo às narrativas.

“Uma mentira dita mil vezes torna-se verdade” (Joseph Goebbels, ministro da propaganda na Alemanha Nazista)

A máquina de propaganda   nazista usou e abusou deste dogma, levando a população alemã e boa parte da Europa a adotar a ideologia hitlerista cegamente. O resultado, como sabemos ou deveríamos estar informados, foi a tragédia da segunda guerra mundial, com todos os seus horrores. Se, àquela época, os limitados meios de comunicação já alcançavam tão grande impacto na formação da opinião pública, muito mais hoje, de forma exponencial, em que temos TV, rádios, jornais, revistas, internet, mídias sociais e, ainda, outras formas de comunicação e doutrinação, como, por exemplo, escolas e igrejas. A reiteração da mentira – e aí podemos considerar o atual império e inferno das ‘fake news’ – leva, segundo Goebels, a torná-la ‘verdade’, construindo-se, a partir daí, uma nova realidade calcada no engodo daquilo que se deseja. E, concomitantemente, as estruturas da sociedade podem e devem ser alteradas para sustentar e otimizar esta nova ordem conquistada. Quando se chega a isso, anulam-se as consciências individuais, as quais se perdem no todo coletivo de um ‘deus’, possessas ou por um monstro chamado ‘Estado’, ou pelas ‘verdades’ (narrativas) propagadas à exaustão, a serviço de uma ideologia, com os seus interesses escusos, que passam a pensar e decidir por todos.

Independentemente de credo religioso ou de ateísmo professo, a verdade da máxima universal de S. Tiago nos adverte que “Cada um, porém, é tentado pelo seu próprio desejo, sendo por este arrastado e seduzido…” (Tg. 1:14-15). E o resultado não é bom.

Alice, a garotinha do “País das maravilhas”, nos aponta a saída: autoconsciência e sagacidade de espírito.

Saúde e paz a todos!

WASHINGTON L. TOMÉ DE SOUSA (Reflexões @washingtontomedesousa – Facebook e Youtube), advogado, ex-diretor da Justiça do Trabalho em Passos, escreve quinzenalmente às quartas, nesta coluna

Sair da versão mobile