Navegar ao ritmo das guitarras do Pink Floyd não tinha preço. Depois de ouvir aquele som na casa de algum amigo eu não podia deixar de ter o vinil, para ouvi-lo quando quisesse – isso queria dizer quase sempre. Entrei na Biju Discos, pequena loja localizada na Rua Antônio Carlos, em Passos, que supriu grande parte da discoteca da minha adolescência, e corri para casa. Eu tinha 16 anos e minha reduzida coleção acabara de ganhar um reforço valioso.
Era o “The dark side of the moon”, oitavo álbum do Pink Floyd, que completa exatos 50 anos – de acordo com o site oficial da banda inglesa, o disco foi lançado nos Estados Unidos no dia 10 de março de 1973 e no Reino Unido em 23 de março. As canções já haviam sido apresentadas ao vivo em shows em vários países, enquanto as muitas etapas de gravação exigiram mais de um ano de trabalho no Abbey Road Studios, de onde saíram alguns dos mais importantes discos do rock´n´roll.
Também conhecido como “o disco do prisma”, este é o mais icônico trabalho do Pink Floyd por várias razões. Primeiro por ser o mais vendido da banda e um dos mais vendidos da história do rock: foram mais de 50 milhões de exemplares nesse meio século, e as audições no Spotify chegam a centenas de milhões para algumas faixas. Depois, por esconder, dentro daqueles acordes, o fantasma de Syd Barrett, o talentoso criador e líder do Pink Floyd que mergulhou nas drogas e de lá não saiu mais, até morrer de câncer em 2006.
Barrett foi personagem de várias canções da banda, e é ele o lunático que brinca sobre o gramado, lembrando jogos entre margaridas e risadas, na faixa “Brain damage”, ou, traduzindo, lesão cerebral.
Barrett foi um dos traumas do Pink Floyd, tanto que na linha do tempo no site oficial da banda há relatos do que ele fez, ou conseguiu fazer, muito depois de se afastar dos antigos companheiros, incluindo dois discos: “The madcap laughs” e “Barrett”, ambos lançados em 1970. Roger Waters, David Gilmour, Rick Wright e Nick Mason continuaram falando metaforicamente sobre ele em pelo menos dois discos lançados depois: “Wish you were here”, de 1975, e “The wall”, de 1979. Quase todas as letras são de Waters, que pessoalmente carrega, até hoje, outro trauma: a morte de seu pai na Segunda Guerra Mundial, tema recorrente em seu trabalho, tanto no Pink Floyd quanto em seus discos solo, depois que rompeu com a banda.
É difícil explicar a quem tem menos de 30 anos a magia daquele objeto circular, com um pequeno furo no centro, que embalava festas, veiculava sonhos, dava o tema de intermináveis conversas sobre música e poesia e vivia nas mãos dos jovens, dentro de seus invólucros de papelão que às vezes também eram pequenas obras de arte. Este é o caso da capa de “The dark side of the moon”: sobre fundo preto, um raio de luz atravessa um prisma e sai decomposto em seis cores – e não as sete do arco-íris. O desenho é de George Hardie sobre uma ideia de Storm Thorgerson, genial criador de capas icônicas que foi amigo de infância dos integrantes da banda.
“The dark side of the moon” foi certamente o disco que mais ouvi na minha vida, mesmo décadas depois que o comprei na Biju Discos. Já bastante arranhado e “pipocando”, eu o substituí pelo CD, a grande novidade dos anos 1990. Na primeira vez que eu soube que os CDs trariam uma nova tecnologia de gravação, pensei logo em “The dark side of the moon”.
O CD resolveria um problema que, no vinil, era insolúvel: a necessidade de interromper a “viagem” no som para virar o disco. Finalmente, o álbum poderia rodar do início ao fim, sem pausa. De fato, ao começar a ouvir aquele coração batendo, seguido pelas vozes ao fundo, o relógio, um motor, o grito e as guitarras, é impossível parar.
“Dark side of the moon” nos lembra que o tempo passa e a cada dia estamos mais perto da morte; que o tilintar das moedas não trará aumento de salário; adverte que nós e eles, na frente de batalha, somos apenas homens comuns, e lembra, ainda, que embora tudo sob o sol esteja em harmonia, o sol está coberto pela lua.
O álbum trata de temas universais, como a morte, a insanidade, a injustiça, a guerra e a paz, tudo isso embalado por uma sonoridade quase impensável para a época, o que explica que tenha levado mais de um ano para ser editado, ampliado e aprimorado, no estúdio e nos palcos. Um dos lados da lua será eternamente escuro, mas o Pink Floyd será sempre essa luz na música universal.
ALEXANDRE MARINO, escritor e jornalista em Brasília/DF, escreve quinzenalmente às sextas nesta coluna