Ataíde Vilela
Tive o privilégio de ter nascido e vivido um bom período de criança e adolescência no entorno do Parque Nacional da Canastra, na fazenda Goulart, localizada na região do ribeirão Capetinga, em São João Batista do Glória. Meus avós maternos, minha mãe e tios nasceram e viveram na região dos Canteiros – uma das mais importantes que Serra da Canastra. Passados alguns anos meus avós adquiriram a fazenda Goulart, situada a cerca de 5 km do Glória, às margens da BR que liga esta cidade a Delfinópolis. Lá com meus pais e 8 irmãos vivemos por muitos anos. Trabalhávamos em regime de economia familiar. A vida era dura mas foi um período rico de experiências e muito bom. Hoje tenho consciência disto. Lembro-me de passagens engraçadas e de lendas que eram contadas naquela época pelos moradores mais antigos em rodas de prosa, através da oralidade que era uma forma de comunicação baseada na fala e na audição. Ela era muito usada e desempenhava papel importante na interação direta entre as pessoas na transmissão de informações e conhecimentos. Assim, os causos eram contados e transmitidos das gerações antigas para as novas. Naquela época visitar vizinhos, tomar café em suas casas e participar de rodas de prosa era costume muito comum na roça. Hoje pela correria da vida agitada com o surgimento da internet, redes sociais e todas facilidades do mundo digital acredito que isto não sobreviva e nem exista mais. Mas, mesmo assim chego à conclusão que valeu a pena. Fui privilegiado por ter vivido tudo isto naquele lindo pedaço de chão. Foram muitos ensinamentos num período muito especial e que guardo com muito carinho em minha mente.
Às vezes, me surpreendo sonhando acordado e embalado pela bela canção “Deus e eu no sertão”. É como assistir um daqueles filmes inesquecíveis! Fecho os olhos por alguns minutos e ao ouvir esta canção tão bem interpretada pela dupla “Vitor e Léo”(nossos conterrâneos mineiros) me faz relembrar passagens marcantes vividas naqueles tempos. Penso que viver experiência como esta, apesar de ser tão simples, ao mesmo tempo tão rica, é também uma forma de encontrar com a tão sonhada felicidade. Ela existe, pode crer! Às vezes ela está tão próxima de nós que não a percebemos. Vejo as pessoas procurando incessantemente encontrar a felicidade nas mídias digitais, seguindo famosos digital influencer’s, buscando alcançar coisas supérfluas como dinheiro, poder, fama, etc. Mas acredito que a felicidade está sempre presente nas coisas mais singelas. Acredito que temer à DEUS, tê-lo no coração, ter fé, praticar o amor como nos ensina Jesus Cristo, amar e conviver bem com a família, manter boas amizades, ter hábitos saudáveis, praticar esportes e ter uma boa alimentação são práticas saudáveis que podem nos ajudar a sermos felizes. Acredito que a felicidade pode estar morando ao nosso lado, mas às vezes não damos conta disto. Quem já viveu alguma experiência como esta sabe bem o que representa este sentimento.
No rico ecossistema do cerrado do Parque Nacional da Canastra e no seu entorno situado nesta região sudoeste de Minas Gerais entre a bacias hidrográficas do rio Grande e do rio São Francisco, acredito ser um bom lugar para viver esta experiência. E é por isto mesmo que muitos turistas com frequência se aportam por aqui vindos de todo país. Já é um dos circuitos turísticos mais visitados do estado. O Parque da Canastra junto com seu entorno é o que se pode chamar de um pedacinho do céu e está bem pertinho de nós. O Parque da Canastra é de uma beleza única com seus vales e planaltos. No período de chuva como este que vivemos agora, a vasta extensão do Parque da Serra da Canastra é recarregada e abastecida pelas chuvas abundantes desta estação. Como uma mata-borrão absorve muito bem as águas das chuvas que caem neste período do ano. Do alto da majestosa Serra da Canastra, de várias regiões como dos Canteiros, da Mata, da Babilônia, da Gurita, dos Cândidos, etc, correm águas límpidas formando uma infinidade de lindas cachoeiras. São verdadeiras piscinas naturais. Aliás é por isto que São João Batista do Glória tornou-se conhecida nacionalmente como a cidade das cachoeiras. São grandes atrativos muito procurados pelos turistas para serem visitados. Os córregos, ribeirões de pequeno a médio porte com suas águas contribuem para o abastecimento da bacia do rio Grande por nossas bandas e pelo outro lado a bacia do rio São Francisco – do velho chico, o rio da unidade nacional. Além das cachoeiras do Parque da Serra da Canastra há também ricas e exuberantes fauna e flora nativas. São muitas espécies que estão sendo preservadas, animais como lobo guará, tamanduá bandeira, tatu canastra, onça, veado, etc., diversas aves como gavião, urubu, tucano, sabiá, canarinho, patativa, rolinha, pomba de bando, fogo apagou, etc. e muitos repteis como cobras, lagartos, anfíbios como tartarugas, sapos, rãs e uma diversidade de peixes.
Surgem no Parque Nacional da Canastra outros atrativos importantes também como as ruinas da fazenda Zagaia e o curral de pedras. Este curral que era usado para fechar o gado nos pernoites e descansos de longas viagens dos boiadeiros que conduziam por este caminho suas boiadas entre Minas Gerais e Goiás. Naquela época este era o percurso mais utilizado porque era mais curto e por isto reduzia o tempo de viagem. Uma das lendas mais contadas nas rodas de prosa pelos contadores de causos era da fazenda Zagaia, assim também como outras estórias de matadores profissionais e jagunços famosos que atuaram por aqui. Muitos destes matadores e jagunços faziam parte do bando de Lampião. Fugiram do nordeste brasileiro e vieram para serem contratados por “coronéis” desta região, após a morte de Lampião e dizimação de seu bando em Sergipe por forças policiais. As obras literárias “Contratadores da morte” do nosso saudoso e querido Prof. Antônio Teodoro Grilo, “Chapadão do bugre” de Mário Palmério narram isto com detalhes. Segundo conta a lenda boiadeiros que pernoitavam na fazenda Zagaia eram mortos de forma impiedosa com uso da zagaia. Estórias horripilantes de execuções de boiadeiros eram contadas recheadas de muito terror. Contava-se que boiadeiros exaustos após longas jornadas cavalgando semanas e as vezes meses conduzindo boiadas no caminho entre Minas Gerais e Goiás eram executados para serem assaltados. Os boiadeiros circulavam com muito dinheiro em espécie após venderem suas boiadas no retorno à suas casas. Por isto se tornavam presas fáceis desta armadilha. A zagaia segundo a lenda era um dispositivo preparado com madeiras pontiagudas como se fosse um tacape. Era amarrada por corda ou cipó no telhado da casa da fazenda. Era disposta de forma estratégica para ser disparada e cair com todo seu peso do alto do telhado como uma guilhotina sobre os boiadeiros já cansados e pegos no sono em suas camas. Assim, com esta terrível e mortal armadilha chamada “zagaia” muitos boiadeiros foram mortos e assaltados naquela época. Até que finalmente uma escrava da fazenda tendo se apaixonada por um destes boiadeiros denunciou a zagaia. Em 2019, o Parque Nacional da Canastra abriu as ruinas da antiga fazenda Zagaia para receber visitantes e tornou-se mais um importante atrativo para os turistas, sendo o seu acesso através da portaria 3, em Sacramento-MG.
ATAÍDE VILELA, engenheiro civil, foi prefeito de Passos nas gestões 2005/2008 e 2013 a 2016.