Em recente pesquisa realizada com cerca de dois mil padres brasileiros, consegui traçar o perfil desta categoria na Igreja do Brasil e o que foi constatado contrasta fortemente com a imagem que o senso comum tem destas figuras de destaque nas comunidades onde atual. Este estudo deu origem ao livro “Operários da Fé – O Padre na Sociedade Brasileira”, publicado pela Matrix Editora.
Dentre os oito tópicos pesquisados, que vão desde origem social, passando pela formação, vida ministerial, espiritualidade, vida cultural e relações com a política, os dados coletados sobre a saúde física e mental do clero são os mais surpreendentes.
Assombroso porque a sociedade espera do padre que ele seja uma pessoa saudável em todos os aspectos, sobretudo no tocante a saúde mental e espiritual. Espera-se que o padre seja um homem equilibrado emocional e espiritualmente. Porém, a pesquisa revelou um índice preocupante de padres cuja saúde mental anda abalada.
Do total de entrevistados, 24,2% não têm horário fixo para alimentação; 8,6% não têm plano de saúde; 8,5% não têm amigos; 5,5% não têm bom relacionamento com as pessoas em geral; 24,2% têm algum problema de saúde crônico; 5,6% têm dúvidas em relação a identidade afetivo-sexual; 5,5% dos padres disseram não ser felizes; 11,5% afirmaram não ter entusiasmo pastoral; 43,4% disseram que fazem ou já fizeram acompanhamento psicológico e 9,6% fazem ou já fizeram acompanhamento psiquiátrico. Ou seja, mais de 50% dos padres têm recorrido a algum tipo de ajuda em vista da sua saúde mental.
Desde o início da formação para o sacerdócio os candidatos são aconselhados a fazerem acompanhamento psicológico, tendo em vista que isso ajuda em vários aspectos, inclusive no discernimento vocacional. Os que apresentam distúrbios psiquiátricos mais evidentes são dispensados. Porém, nem todos os seminaristas fazem esse tipo acompanhamento.
Além disso, após a ordenação, boa parte dos que antes fazia acompanhamento psicológico, deixa de fazê-lo, seja porque acha que não mais precisa, ou por falta de tempo, porque passam a ter intensas atividades, ou ainda porque a partir de então não há mais a figura do formador ou reitor motivando a fazê-la, ou mesmo por se acomodar. Entretanto, isso não significa que o padre não necessite mais dessa ajuda, pois diante dos desafios e das renúncias que ele enfrenta, muitas vezes o acompanhamento psicológico se faz necessário para mantê-lo equilibrado.
Poucos sabem que os padres, na sua maioria, têm uma rotina difícil e com horários desregrados. Exige-se muito do padre e poucos reconhecem o seu trabalho. Para a maioria, padre não trabalha. Porém, ele é um absorvedor de problemas alheios. As pessoas só procuram o padre para falar de problemas. Se ele não souber lidar com isso, passa a sofrer ter ansiedade, insônia e de outros problemas. Padres estão entre as categorias de profissionais com maior índice de estresse.
Quando o padre sai do confessionário, ele sai “curvado” com o peso dos pecados alheios, e não são todos que conseguem lidar com esse fardo, sobretudo se o padre estiver passando por situações difíceis. Os que não conseguem lidar com essas situações acabam por ter problemas psicológicos em algum momento da vida.
Por outro lado, há os que precisam lidar com seus próprios fantasmas, mesmo sendo um “homem de Deus”. Há ainda os que sofrem retaliações de pessoas da comunidade paroquial, tornando-se alvo de críticas destrutivas, calúnias e outras difamações que ajudam a afetar a saúde metal do padre. Esses precisam buscar ajuda de profissionais da psicologia e até da psiquiatria.
Essa pesquisa obteve dados importantes acerca da saúde mental do padre. Entre os 90,4% que disseram nunca terem feito acompanhamento psiquiátrico, não o fazem porque não necessitam ou por outros motivos? Não é pelo fato de o padre nunca se ter feito acompanhamento dessa natureza que garante que ele não precisa de ajuda. Nas conversas pessoais e na convivência, encontrei um número significativo de padres que tomam medicamentos controlados ou contínuos.
A situação se revela ainda mais preocupante quando olhamos o número de padres que já pensaram em suicídio. A cifra exata de padres que cometem suicídio não vem a público, mas nos últimos dez anos a quantidade de padres que tiraram a própria vida tem aumentado significativamente no Brasil. A depressão e outros distúrbios psiquiátricos são os principais motivadores que levam o padre a atentar contra a própria vida.
Isso sem falar dos que têm problemas com o álcool. Padres que celebram mais de quatro missas por domingo (28,9%), tomando em cada uma delas meio cálice de vinho, no decorrer de um ano ingeriu uma quantidade significativa de álcool, sem falar do fácil acesso a bebidas alcoólicas que o padre tem, seja em casa ou na casa de paroquianos.
Há diversos empecilhos para o padre não fazer acompanhamentos psicológicos e psiquiátricos. A maioria não assume, ou não sabe que tem distúrbios. No entanto, a prática ministerial e pastoral, o convívio e outras situações, atesta que a porcentagem de padres com certas perturbações é bem maior que 9,6%. Quando somamos os quesitos da entrevista relacionados a saúde física e mental dos padres e cruzamos com outras informações recolhidas, o quadro se revela inquietante.
Enfim, a pesquisa demonstrou que o clero brasileiro, apesar de relativamente jovem na sua maioria, está sobrecarregado de atividades, com um grau preocupante de estresse e é uma categoria um tanto quanto desunida, fatores que contribuem para o agravamento da saúde mental daqueles de quem se exigem postura sã e equilibrada em todos os momentos.
JOSÉ CARLOS PEREIRA é padre, professor, tradutor, com pós-doutorado em Antropologia Social, doutorado em Sociologia, mestrado em Ciência da Religião, bacharelado em Teologia e licenciatura plena em Filosofia. É autor de mais de 90 livros