28 de julho de 2023
Historiadora Aira Bonfim mostra que esporte entre mulheres tinha espaço na mídia da época: ‘mas historiadores ignoraram’./ Foto: Divulgação.
LITERATURA
As mulheres eram proibidas de jogar futebol no país. O decreto com a determinação vigorou de 1941 a 1979, e argumentava que o esporte era uma atividade violenta, desaconselhável às frágeis donzelas. Na prática, como mostra o livro “Futebol feminino no Brasil”, lançado nesta semana pela historiadora do esporte Aira Bonfim, o objetivo era controlar uma atividade em que mulheres, muitas negras e periféricas, estavam se destacando e ganhando dinheiro.
“Esta pesquisa quebra paradigmas, como o de que o futebol feminino começou outro dia, de que não tinha patrocínio. É uma modalidade que se popularizou junto com a masculina, no início do século XX”, disse Aira.
Apesar do interesse geral em torno da bola, parece que as editoras, diferentemente de produtoras audiovisuais e plataformas de streaming, ainda não abraçaram totalmente o assunto. Assim como a maioria das colegas que escrevem sobre o tema, Aira publicou seu livro de forma independente. “Não existe interesse de grandes editoras. No geral, vejo as autoras fazendo crowdfunding, participando de edital público…”.
A historiadora, que começou as pesquisas em 2015, quando ainda trabalhava no Museu do Futebol, resolveu abarcar nas páginas o período entre 1915 e 1941, ano da lei.
A obra, de 352 páginas, tem farta iconografia: são muitas imagens de veículos de imprensa da época, que provam a popularidade das partidas femininas. Há foto, inclusive, de Jandira Carvalho de Oliveira Café, antes de se casar com o presidente Café Filho (que assumiu após a morte de Getúlio Vargas), quando ela jogava como volante no Centro Sportivo Natalense, na cidade de Natal.
“O futebol feminino aparecia nos mesmos jornais e revistas que o masculino, mas os historiadores e memorialistas ignoraram. Isso diz muito sobre a nossa história em geral”, disse Aira.
Havia três grupos de mulheres jogando bola no início do século passado: as ligadas a clubes, as artistas circenses e as das equipes dos subúrbios. O primeiro capítulo é voltado para a história das jovens ligadas a agremiações esportivas que nasciam naquela época nas capitais.
“Eram garotas com iniciativa e coragem de descer das arquibancadas. Chamo este capítulo de “festa”. Meninas jogavam contra meninos, em equipes mistas ou só contra meninas também”.
Aira também pesquisou a ligação entre futebol e os circos que viajavam pelo interior do país oferecendo, como atração, campeonatos de futebol feminino. “O futebol passou a acontecer no espaço das artes. E essa itinerância do circo foi um elemento importante: essas meninas jogadoras foram até Manaus, até o Sul”.
As jogadoras dos subúrbios cariocas formam a terceira turma intimamente ligada à bola e à proibição da prática. Meninas negras, periféricas, muitas homossexuais, passaram a se organizar em times e campeonatos de várzea e ganharam popularidade e espaço na mídia, vislumbrando a chance real de ascender socialmente. Isso tudo passou a ser um problema.
“Saía notícia da qualidade da partida, elas estavam ganhando dinheiro, tinham patrocínio”, afirma a historiadora, que elenca o amistoso feminino na inauguração do estádio do Pacaembu, em São Paulo, e o convite para jogar no exterior representando o Brasil como a gota d’água para as cariocas e, por consequência, as brasileiras. “Fica claro que era preciso interromper esse processo”, completou.