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A história das loterias no Brasil

Foto: Reprodução.

Ataíde Vilela

A história das loterias no Brasil começou com a loteria do bicho. Ficou conhecida popularmente como jogo do bicho. O jogo do bicho surgiu em 1892 e foi introduzido no bairro de Vila Isabel no Rio de Janeiro pelo barão João Batista Drumond. Surgiu pela necessidade de obter recursos financeiros para manutenção do jardim zoológico, que fora construído para valorizar empreendimento imobiliário desse barão em Vila Isabel, berço de grandes artistas como Noel Rosa e Marinho da Vila. Assim logo o jogo do bicho ganhou a simpatia do brasileiro passando a ser parte de nossa cultura popular. Sem regulamentação alguma pelo governo federal, o jogo do bicho virou um território sem leis em diversos locais. Logo apareceram bicheiros milionários com muito poder que passaram à patrocinar clubes de futebol, escolas de samba e algumas atividades sociais nos bairros carentes onde tinham fixados seus tentáculos. Com a falta de políticas públicas nesses bairros de baixa renda com ausência da prefeitura, do estado e do governo federal facilitou a instalação de um estado paralelo nesses locais. Disputas violentas pelo controle de pontos do jogo do bicho foram travadas e duram até hoje no Rio. Assassinatos comandados por líderes e herdeiros do jogo desse jogo são manchetes frequentes na imprensa. O jogo do bicho é ilegal no Brasil. Considerado contravenção, é uma infração legal de menor potencial ofensivo. Oficialmente a Loteria Federal é a primeira legalizada no país e teve o seu primeiro concurso realizado em 15 de setembro de 1962. Logo surgiram outras loterias que hoje são geridas pela CEF, como a loteria esportiva, após o tricampeonato vencido pelo Brasil em 1970 que enfraqueceu muito o jogo do bicho no país. Outras loterias foram criadas na sequência como Lotofácil, Mega-Sena, Quina, Timemania, Dupla Sena, Lotomania, Milionária, etc.

Não é uma questão de você gostar ou detestar o jogo de bicho, ser contra ou a favor, como explica o escritor e historiador Luiz Antônio Simas, em seu livro “Maldito invento dum baronete: Uma breve história do jogo do bicho” pela editora Mórula. Ele afirma que “o jogo do bicho surgiu como um jogo para os pobres”. Simas explica que a “proibição do jogo do bicho, em 1895 aconteceu num contexto de preconceito racial, em que os elementos de ludicidade de culturas não brancas, de pretos e pobres foram violentamente combatidos no Rio de Janeiro, capital da Republica, e no Brasil inteiro”. Naquela época havia um projeto elitista da República, que tinha como objetivo promover o branqueamento racial no país. Nesse branqueamento estava previsto até trazer imigrante europeu para clarear a pele do brasileiro. Era um projeto de branqueamento não apenas para operar no clareamento da pele do brasileiro, mas também operava no campo do simbolismo, atingindo elementos culturais e ludicidades de culturas não brancas. Ele afirma “simplesmente não dá para entender a complexidade da formação social brasileira, sobretudo na República, no início do século 20, sem que a gente entenda o jogo do bicho, as contradições presentes nesse processo. Ele é um sintoma do Brasil, de nossas contradições, de nossos horrores e de nossas soluções criativas para lidar com a vida.”

As loterias jogo das bet’s começou diferente. Em 2023 o governo federal sancionou a Lei das bet’s(Lei 14.790/2023) que regulamentou esse novo jogo de apostas no país. É administrado por empresas estrangeiras sediadas na Inglaterra e outros países. Cerca de 22 milhões de pessoas(14% da população) teria feito pelo menos uma aposta(bet) em 2023. De acordo com levantamento feito tem mais gente apostando nesse jogo das bet’s(3,7 milhões de pessoas) do que na Bolsa de valores. Tem até gente inscrita em programas sociais apostando nesse jogo. A imprensa noticiou que 3 bilhões de reais do programa de erradicação da fome foram parar nos cofres das bet’s.

Diante dessa situação, o presidente da República declarou à imprensa no dia 17 último que pode acabar com o mercado das chamadas bets, se a regulação não for suficiente para assegurar a saúde mental e financeira da população.

O ministério da Justiça lançou na semana passada projeto de segurança para todo o país com a presença do presidente da República, de governadores em reunião para resolver a grave situação da criminalidade no país. Acredito que a maioria dos problemas de segurança no país já teriam sido resolvidos, caso houvesse a presença efetiva do estado em todas as cidades. De acordo com a física quântica, não existe espaço vazio. Na falta da presença de governos (municipais, estaduais e federal) o chamado estado paralelo foi tomando conta desses locais. Inicialmente com atividades ilícitas do jogo do bicho e posteriormente com novas atividades ilegais foram sendo incorporadas para aumentar seus lucros, porque a rentabilidade do jogo do bicho foi diminuindo ao longo do tempo. Assim, o estado paralelo foi crescendo e aumentando seu leque de atuação para outros territórios, de preferência onde o estado oficial não comparecia. Isso nos prova que enquanto o estado não estiver presente efetivamente em todas as cidades não haverá solução para segurança no país. Voltando ao tema jogo das bet’s, sinceramente não acredito que o governo acabará com esta nova loteria. Porque o governo federal arrecada cada vez mais quantias bilionárias com esse jogo e como todos nós contribuintes sabemos não costuma abrir mão de receitas. E assim parafraseando nossa querida santa madre Tereza de Calcutá penso que mais “um pingo d’água nesse oceano” de apostas não mudará muita coisa. Por coerência o governo federal deveria regulamentar também a primeira loteria do país, com critérios idênticos à Lei das bet’s. Assim teria o controle e presença efetiva do estado em todas as atividades de loterias no país, inclusive nas cidades pequenas, bairros e comunidades mais desassistidas. Diminuiria a atuação do estado paralelo em atividades ilegais nas cidades do país e eliminaria também esse grave preconceito racial de descriminação de culturas não brancas, pretos e pobres promovendo um efeito pedagógico. À conferir…Façam as suas apostas!

Ataíde Vilela, engenheiro civil, foi prefeito de Passos nas gestões 2005/2008 e 2013 a 2016.

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