Opinião

A Deus, She-Ra!

17 de março de 2025

Foto: Reprodução

Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho

Na penumbra da sala, uma gata cansada se aconchega em seu canto, suas pálpebras pesadas revelam a batalha silenciosa travada em seu interior. O câncer, sombra traiçoeira, vai deixando suas marcas no pequeno corpo outrora ágil e elegante. Ainda assim, em meio à dor, seu olhar guarda a doçura e a lealdade que só um amigo de quatro patas é capaz de oferecer.
Depois perguntam:

– Por que você sofre?”

Respondo: “Não sofro. Sofreram e sofrem por mim!”

A tristeza não escolhe lado; ela se deita tanto ao lado dos que padecem quanto dos que amam. O vínculo entre um felino e o ser humano é tecido com a delicadeza das carícias e a cumplicidade dos silêncios partilhados. E é nesse amor que reside a verdadeira dor.

– Como assim?

– A matéria mostra e demonstra.

No corpo frágil da minha companheira, os sinais da luta se fazem visíveis: a leveza do peso, o pelo outrora brilhante, agora rarefeito, e o andar lento, quase silencioso, como se até o chão lhe pesasse. Mas, aos olhos do amor, cada movimento ainda é poesia. Cada olhada um sopro de memória.

O amor felino supera a dor. Ele é presença, mesmo na ausência. O ronronar, que antes soava como canção de ninar, agora ressoa como um último canto de gratidão. A conexão entre nós é um fio invisível que a doença não rompe, nem mesmo a morte ousará desfazer.

E enquanto a vida se esvai, o coração dos que ficam se aperta. Cada respiração é contada, cada gesto é vigiado, como se, com o olhar atento, pudéssemos segurar o tempo. Mas que esperança. Não podemos. O sofrimento do animal amado se mistura ao nosso, criando um espelho onde a dor e o amor se entrelaçam.
Amar também é saber deixar partir. E quando a ausência se fizer presença, as memórias hão de permanecer – tatuadas na alma, como marcas de um amor que foi e sempre será. O amor felino é eterno como o rastro de patas invisíveis que jamais se apagam do coração.

Por isso, quando me perguntam sobre o sofrimento, eu respondo: ele é apenas o reflexo de um amor tão profundo que toca a alma. Não há dor sem amor, nem amor que não carregue em si a saudade do que um dia foi. E quando o momento chegar, sei que minha doce She-Ra encontrará a paz. Levo comigo a certeza de que o amor sempre prevalecerá, unindo nossas almas para além do tempo.

O amor felino não morre. Ele se transforma em eternidade. E enquanto a noite se estende em silêncio, resta a gratidão – por sua presença, por seu carinho e por ter nos permitido compartilhar a vida ao seu lado.

A Deus, She-Ra!

Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho, advogado, escreve aos domingos nesta coluna. (luizgfnegrinho@gmail.com).