Opinião

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12 de janeiro de 2024

Foto: Reprodução

A bomba no prédio ao lado

Um barulho no meio da madrugada. Ah, é apenas um gato que passeia lá fora. Mas gatos não fazem barulho! Ora, não importa, feche seus olhos assustados, volte a dormir. O dia amanhecerá sem sinais de gatos ou sustos. Ou trará outros medos, suportáveis. Aprendemos a conviver com os sustos, expandimos nossos limites para suportá-los. Mas e se for uma bomba explodindo no prédio ao lado?

Bombas não explodem ao lado, até que explodam. Que bicho estranho é o ser humano. Capaz de desenvolver técnicas complexas para fazer praticamente tudo, prefere investir nas máquinas de matar e só encontra a paz quando promove a guerra. Sim, a guerra é precedida por negociações, tentativas de acordo, mas quando tudo isso fracassa, parece vir uma sensação de alívio. Ah, finalmente, a guerra.

Quando crianças aprendemos que não devemos brigar, bater nos amiguinhos. Mas assim que os adultos viram as costas, nos envolvemos em guerras de travesseiros. Como ninguém se machuca, crescemos mais um pouco e é a vez das guerras de mamonas. Sempre houve guerras em nossas vidas, ainda que apenas como metáfora.

Uma das imagens mais impressionantes da minha infância, quando eu folheava as enciclopédias ilustradas à procura de coisas interessantes para ler, era a do Cavalo de Troia. Um clássico da mitologia universal: a Guerra de Troia, que se arrastou por 10 anos, no século 12 a.C., só teve fim porque os gregos construíram um gigantesco cavalo de madeira, onde seus soldados se esconderam, e o deixaram como presente aos troianos ao lado dos portões da cidade, até então invioláveis. É apenas mitologia? Não importa. Mitologia é literatura, e as guerras também levaram à criação de outros clássicos, como “Guerra e paz”, de Tolstói.

O que diria Jesus Cristo, se imaginasse que 2023 anos depois, uma guerra impediria as comemorações de seu nascimento no próprio local onde ocorreu, segundo a tradição cristã? Consta que foi a primeira vez na História que não houve celebrações de Natal em Belém. Mas talvez o aniversariante, do alto de sua sabedoria, não se incomodasse tanto… Afinal, a Bíblia está cheia de relatos de guerras. Quase sempre por ganância, disputa por territórios, defesa da justiça. Nada muito diferente do que ocorre hoje. A guerra está no coração do Homem.

A história da Humanidade é feita de guerras. Desde que o primeiro Homo sapiens descobriu que um pedaço de osso ou de tronco de árvore serviria para quebrar sementes, ele pensou em batê-lo na cabeça do inimigo. Depois vieram os guerreiros anônimos de inúmeros conflitos, além das celebridades: Alexandre o Grande, na Macedônia, Gengis Khan, na Mongólia, e Napoleão, que conduziu à morte, pelo inverno russo, mais de 500 mil homens de seu exército. Já no século 20, Adolf Hitler, com sua delirante sede de poder e de sangue, invadiu vários países da Europa e levou à morte 6 milhões de judeus. Para detê-lo, a guerra era inevitável.

É impossível citar todas as guerras que ocorreram ou ocorrem. Sabe-se que há muito tempo o planeta não vive um único dia sem que haja uma guerra em algum lugar. Acompanhamos as guerras da Ucrânia, invadida pela Rússia, e entre Israel e o grupo Hamas, porém há várias outras ocorrendo no mundo. Além da Síria e do Iêmen, no Oriente Médio, também Etiópia, Senegal, Burkina Faso, Nigéria, Somália e vários outros países africanos estão envolvidos em conflitos armados, com dezenas e até centenas de milhares de mortos. As Coreias do Norte e do Sul estão se estranhando. Com ameaças e provocações.

Enquanto o mundo se acaba em guerras, a indústria bélica se esbalda. A ciência é capaz de salvar vidas, quando o conhecimento humano é aplicado com esse objetivo, mas também promove a morte em massa. O que seria de Netanyahu, Putin, sem a indústria de armas? Aviões de combate, mísseis, tanques, artilharia, munição, equipamentos construídos para matar, tudo produzido com tecnologia de ponta, estão em alta no mercado. Os gastos militares globais atingiram mais de 2 trilhões de dólares, cerca de R$ 11 trilhões, em 2022. E a guerra entre Israel e o Hamas ainda nem tinha começado… É dinheiro suficiente para resolver boa parte dos reais problemas da humanidade, fazer deste planeta um bom lugar para se viver.

O Brasil tentou, sem sucesso, aprovar na ONU uma resolução pelo cessar-fogo na guerra Israel x Hamas. Os Estados Unidos, que dominam 45% do mercado de armas, cinco vezes mais que qualquer outra nação, vetaram. Enquanto isso, o governo já estudava uma forma de financiamento, por intermédio do BNDES, para incrementar a indústria bélica do país, visando também a exportação. A previsão é de investimentos de R$ 53 bilhões na rubrica Defesa.

Entramos em 2024 a toda velocidade, janeiro já vai pelo meio. Começam a cair no esquecimento aqueles votos de muita paz no ano novo… Não há perspectivas para o fim de nenhuma das guerras em andamento, e ainda há riscos de novos conflitos. Até aqui na América do Sul, onde tudo é aparentemente sossegado… Sossegado, eu disse? Os Yanomami e as comunidades das periferias certamente não concordam, mas isso é assunto para outra conversa.