Opinião

Eu não sou cachorro, não!

21 de novembro de 2024

Foto: Reprodução

WASHINGTON L. TOMÉ DE SOUSA

“Quem não se sabe ao menos no mínimo, não se encontrará no grande” (Luc Walts).

Waldick Soriano, o rei das canções bregas da década de 1970, talvez um dos precursores das ‘cornices’ sertanejas da atualidade, nesta canção icônica da sofrença, ainda que tomado pela paixão, ao ser maltratado, desprezado e humilhado pela mulher amada, rebela-se contra tal situação, ao dizer, de forma figurada: – Eu não sou cachorro, não!

Ser humano nos dias atuais não está fácil. Em meio a um turbilhão de ideias, ideologias, possibilidades mil, violências… desafios sem fim de toda ordem que são postos a cada dia que se desperta, muitos sucumbem, não conseguindo viver e conviver em meio a tudo isso, e se afastam (ou são afastados) da sociedade, terminando seus dias em algum hospital psiquiátrico (uns em profunda depressão, outros identificando-se com grandes personagens do passado, tais como Napoleão, Cleópatra, César, um grande general, um médico de destaque… mas nunca um pobre qualquer), dentre tantas outras patologias.

Já no ‘manicômio’ que tem se tornado cada vez mais a vida aqui do lado de fora, dissemina-se a ideia (ideologia?) de que se pode ser tudo ou qualquer coisa com o que você se identifica, independentemente de sua origem humana e da sua constituição genética e fisiológica. Para focar em apenas uma dessas novas manias (algumas não tão novas, assim), temos pessoas que se identificam com animais, os chamados ‘therians’, chegando ao extremo de passarem por cirurgias e outros procedimentos estéticos a fim de se assemelharem ao animal desejado, como o caso de um japonês que investiu pesado para isso: [“O homem japonês que ganhou fama mundial ao gastar US$ 14 mil para se tornar um cachorro (cerca de R$ 75 mil) agora está desistindo do processo. Ele, que ficou conhecido pelo nome de ‘Toco’, possuía uma fantasia de Border Collie feita sob medida e até imitava os comportamentos do animal…] [Agora, porém, depois de tamanho investimento, o japonês está desistindo da decisão. O motivo: a dificuldade de andar e caminhar como um cachorro.  “Cães e humanos têm estruturas ósseas diferentes e a forma como dobram as pernas e os braços, por isso é muito difícil fazer movimentos assim”, declarou o japonês.”] (portal Terra). Consta, ainda, que os cães verdadeiros rejeitavam a sua companhia… e os humanos verdadeiros não o aceitavam como cachorro. Triste fim de ‘Toco’.

Argumentação pelo absurdo

Dizem alguns teóricos, dentre eles Golding, que uma das formas de se testar a veracidade de uma ideia é elevá-la ao seu grau máximo, para ver no que resulta. Daí, fico a imaginar, de forma oblíqua (com um certo humor negro), na aplicação desta proposição: – um ser humano, caracterizado como cachorro, como o japonês acima, passeando despreocupadamente pelas ruas em um país onde cães são consumidos como alimento por humanos (Coreia, Vietnã e outros) e, algum tempo depois, sendo degustado como iguaria em um restaurante; – um homem-ovelha pastando alegremente pelas pradarias nos Estados Unidos e, logo em seguida, sendo devorado por uma alcateia; – ou, ainda, um homem-foca, nas lindas praias da África do Sul, sendo atacado por orcas assassinas; – por fim, mas não menos trágico, uma linda menina-formiga saindo de seu formigueiro na Serra da Canastra e sendo sugada pela tromba de um majestoso tamanduá-bandeira. Infame argumentação, dirão alguns. Mas serve, ‘mutatis mutandis’ (mudando o que deve ser mudado e com as devidas adequações) para todas as sandices passageiras que se têm observado atualmente.

Afinal, quem é você, o que somos nós?

Saúde e paz a todos!

WASHINGTON L. TOMÉ DE SOUSA, advogado, ex-diretor da Justiça do Trabalho em Passos, escreve quinzenalmente às quartas, nesta coluna