Opinião

As mulheres da minha vida [2]

18 de outubro de 2024

Foto: Reprodução.

ALEXANDRE MARINO

Embora eu tenha vivido minha infância entre mulheres, como contei numa crônica publicada neste espaço há alguns meses, creio que foi naqueles anos que desenvolvi um certo gosto pela solidão, na companhia apenas de papel e lápis de cor. A casa de meus pais foi construída no mesmo terreno do sobrado de meu avô, e o trânsito entre uma e outro era só a travessia do quintal. Assim, enquanto eu estava sozinho, minhas tias, Rosária, Nezita, Raquelina e Lourdes, estavam sempre de olho em mim, enquanto minha mãe dava aulas no Colégio Estadual.

Em meus primeiros anos, meu exagerado apego à minha mãe se tornava um problema quando ela viajava, especialmente à noite, quando normalmente estava comigo. Minhas tias encontraram a solução: chamavam minha prima Maria Helena para dormir na minha casa. Ela era alguns anos mais velha que eu, e imagino que gostava da minha companhia, porque nunca se recusava. Antes que eu fosse para a escola, ela foi minha primeira amiga.

Eu tinha poucos amigos, e vivia em um mundo particular quase autossuficiente. Por isso, quando entrei para a escola, aos seis anos, vivi momentos difíceis. Eu era uma criança arredia e antissocial, e o enorme quintal de minha casa e uns poucos e eventuais amigos me bastavam. Eu não estava preparado para conviver numa sala cheia de crianças. Minha inesquecível primeira professora, D. Magda, me ajudou com seu carinho e atenção. Entre os colegas, aos poucos me aproximei de uma menina – ou ela se aproximou? – por quem senti minha primeira paixão, algo arrebatador para uma criança ingênua. Ela nunca soube e jamais saberá.

Convivi durante quatro anos com essa turma da escola, incluindo a menina que eu imaginava que amava. Certa vez, apareceu uma professora substituta que era bem jovem e usava minissaia, a última moda entre as garotas da cidade. Aos poucos, fui sendo tomado de um estranho sentimento por ela. Algo como um impulso de me aproximar e tocá-la. Era inexplicável, porque eu não sentia a mesma coisa pela menina que até então ocupava meu pensamento. Era como se fossem duas paixões diferentes, e levei muito tempo para compreender aquilo.

Foi impossível vencer a timidez nesse período, mas depois que mudei de escola consegui fazer alguns grandes amigos. Eu já estava na pré-adolescência e começava a entrar naquele universo masculino, no qual as mulheres tinham presença periférica, como namoradas presentes ou futuras, mas sem espaço para participar. Era divertido dividir com os amigos o que eu quisesse, mas era um mundo limitado, e para cruzar suas fronteiras eu precisava das mulheres.

Grande parte desses amigos teve sua iniciação sexual com prostitutas, mas não era isso que eu queria. Eu precisava vencer meus medos para me aproximar das mulheres a ponto de tê-las como verdadeiras amigas e, eventualmente, namoradas. Com esforço, foi dando certo. Agora, tudo isso me parece um passado distante e difuso, mas a experiência do primeiro beijo foi marcante. A garota era mais nova que eu, mas com certeza bem mais experiente. Não estávamos sozinhos, havia muita gente em volta. Ela sutilmente encostou o rosto no meu, e devagar nos viramos até as bocas se tocarem. Foi um gesto emocionante e, ao mesmo tempo, discreto. A partir daquele momento eu estava pronto para o que viesse.

Aos 17 anos fui para Belo Horizonte, onde dividi apartamento com minha irmã, Elisabel, no período em que eu estudava Jornalismo e ela, Medicina. Sempre tivemos ótima convivência, amizade que permanece até hoje. Depois me mudei para Brasília, atraído pelo campo de trabalho promissor e por uma namorada, com quem vivi uma relação forte e tumultuada, que um dia terminou, mas Brasília já era parte da minha vida. No entanto, mantive laços fortes com Belo Horizonte. Um desses foi a primeira e única filha de minha irmã, Camila. Foi bonito acompanhar seu crescimento, seu amadurecimento e vê-la tornar-se mãe, uma mãe lúcida e dedicada.

Ao longo dos anos, as amizades femininas fizeram meu mundo maior, bem maior que aquele mundo masculino, reflexo da estrutura machista da sociedade. Penso que é nisso que Gilberto Gil fala em uma de suas obras-primas, “Super-homem, a canção”. As mulheres com quem convivi me cativaram e foram importantes pelo que me ensinaram, e quando uma relação se aprofundava, isso acontecia naturalmente, até porque, como não pretendia ter filhos, eu não precisava de uma esposa, mas de uma amiga.

Eu tinha 39 anos quando conheci a Nádia, amiga íntima que alargou meus horizontes e enriqueceu meu mundo com seu mundo gigante. Ela compreendeu quem eu era de fato, sem qualquer máscara, e é minha parceira na reconstrução dessa criatura de quem às vezes eu me perdia. “Amor começa tarde”, disse Drummond. Creio que nos encontramos no momento certo para compreender a grandeza do que poderíamos viver juntos e ter força para superar os atropelos que viriam. Desde então construímos um ambiente de amizade, afinidades, solidariedade, equilíbrio e encantamento. O que mais? Conhecemos o que há de melhor em cada um, e os inevitáveis defeitos e fraquezas. O companheirismo nos fortalece. Podemos, finalmente, dizer que temos uma relação madura, e seria impossível escrever tudo isso há alguns anos. Drummond estava certo.

ALEXANDRE MARINO, escritor e jornalista em Brasília/ DF, escreve quinzenalmente às sextas nesta coluna