Opinião

“Olho por olho, dente por dente”

4 de setembro de 2024

FOTO: REPRODUÇÃO

WASHINGTON L. TOMÉ DE SOUSA

A lei de talião, também dita pena de talião, consiste na rigorosa reciprocidade do crime e da pena — apropriadamente chamada retaliação. Na perspectiva da lei de talião, a pessoa que fere outra deve ser penalizada em grau semelhante, e a punição deve ser aplicada pela parte lesada. (Wikipédia)

No princípio das sociedades humanas, para se combater crimes e criminosos, vigorava, grosso modo, a lei da justiça própria, em que o ofendido buscava justiça, geralmente através da vingança e perseguição contra o ofensor (podendo se estender à sua família), por diversos meios próprios, às vezes até a morte. E foi o que prevaleceu por um bom tempo, até que a evolução destas mesmas sociedades levou à necessidade de se regularem as relações e os conflitos humanos através de leis, para se evitar a barbárie e a desproporcionalidade das penas. A lei de talião surge, então, por volta de 1770 a.C, consubstanciada no código babilônico por um governante chamado Hamurabi. Os seus princípios são encontrados em muitos outros códigos de leis antigos de outros povos, inclusive no Antigo Testamento.

Modernamente, também fruto da evolução da vida em sociedade, cada país desenvolveu os seus códigos de leis próprios, a regularem as suas relações internas e externas, banindo-se, de vez, o direito do cidadão de fazer justiça com as próprias mãos, papel este que foi transferido ao Estado, que passou a ter o monopólio de gerir e aplicar a justiça.

 

Um alerta de mais de cem anos, mas atualíssimo

Em sua “Oração aos Moços”, de 29 de março de 1921, o grande jurista Rui Barbosa nos legou este trecho mais conhecido e divulgado de seu brilhante discurso: “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto”.

Retrato fiel e cruel da nossa realidade atual? O descrédito em que se encontra hoje a nossa justiça, em todos os seus níveis, tem-nos levado a assistir, quase que diariamente, ao retorno à selvageria, em que a população, via de regra, revoltada com a impunidade dos criminosos e com os desmandos cometidos pelas autoridades, toma em suas próprias mãos, muitas vezes, o exercício da ‘justiça’, prendendo, julgando e executando, sumariamente, criminosos em praça pública, em verdadeiros justiçamentos, decretando, assim, a falência do Estado para fazê-lo.

Esta doença social, este retrocesso à barbárie, de querer gerir a justiça unipessoalmente e em todas as suas fases, poderia ser atribuído apenas às camadas mais baixas da população, ao povão, à massa ignara. Mas, não.  Este ‘vírus do justiçamento’ parece ter contaminado o universo jurisdicional brasileiro, também, em suas diversas instâncias.

Como remédio para tão grande mal, ao qual devemos todos nos socorrer, invoco, mais uma vez, a voz do grande senador e jurista Rui Barbosa (redundância, de certa forma – como senador e jurista -, porém, de elevada estatura moral e intelectual), em mais um de seus brilhantes – e sempre atuais – discursos: “Rejeito as doutrinas de arbítrio; abomino as ditaduras de todo o gênero, militares, ou científicas, coroadas, ou populares; detesto os estados de sítio, as suspensões de garantias, as razões de estado, as leis de salvação pública; odeio as combinações hipócritas do absolutismo dissimulado sob as formas democráticas e republicanas; oponho-me aos governos de seita, aos governos de facção, aos governos de ignorância…”.

Alguma semelhança com um país grande e bobo?

Soa, cada vez mais verdadeira, a afirmação de que o Brasil é “Um deserto de homens e ideias” (Oswaldo Aranha, político, diplomata e advogado brasileiro – 1894-1960, internacionalmente respeitado e reconhecido).

Necessário acrescentar algo?

Saúde e paz a todos!

WASHINGTON L. TOMÉ DE SOUSA (Reflexões – Youtube / Washington Tomé de Sousa – Facebook) advogado, ex-diretor da Justiça do Trabalho em Passos, escreve quinzenalmente às quartas, nesta coluna