Opinião

O legado do blefe

2 de julho de 2024

Foto: Divulgação

RODRIGO MATTAR

 

Quando Hitler nos anos 30 começou a destilar toda a sua sorte de maldades que culminaram em uma guerra mundial, talvez se tivessem agido oportunamente os homens que deveriam, os que ali, na época, rodeavam o núcleo do poder, o mundo não teria assistido a esse capítulo desprezível da história, que se encerrou em 1945 com milhões de mortes.

Passando ao Brasil de 2018, eis que é eleito presidente da república o capitão do exército, Jair Messias Bolsonaro, após uma facada no abdome, dada por militante da esquerda, ainda não explicada. Pela sorte de estar próximo a um hospital de referência, sua vida não foi encerrada naquele dia.

Agora, com Bolsonaro no poder, diziam muitos, o país prosperaria, o crime seria combatido, as famílias teriam segurança, o livre mercado tiraria milhares da pobreza, a política seria séria, assim como as indicações aos cargos de ministros de estado. O certo voltaria a ser certo, e o errado, errado.

E foi dado o ‘start’, o otimismo estava no ar. O ministério era dos bons, não precisaria reforma. Tinha economista de primeira, ex-juiz da lava jato, Mandeta. Mourão.

Porém, os ventos mudaram de direção, insistiam em soprar para o passado. Um poder se hipertrofiou. Aos legisladores, sobraram apenas o dinheiro das emendas parlamentares, e tampouco o executivo executava, já que não podia nomear os seus. Legislativo e executivo sucumbiam, dia após dia, a uma caneta.

Da censura, passaram-se às prisões, as cassações de mandatos, o exílio de jornalistas. Questionar, falar, escrever, passaram a ser atos perigosos. Motivos para busca e apreensão, que aconteceram aos montes. ‘Fishing expedition’, diziam os acadêmicos.

O ex-mandatário esbravejava: “vamos as ruas pela última vez”. “Não ousem tocar na liberdade do meu povo”. “Sou o chefe supremo das Forças Armadas”. “Vou editar um decreto que vai ser obedecido”. “O jogo está fora das quatro linhas”.

As eleições chegaram e, como não era difícil imaginar, dada a conjetura a qual o ocorreu, o ‘mito’, perdeu. E perdendo, sumiu, se calou. O enigma ficou no ar. Estaria o Messias tramando algo, iria libertar o Brasil, os generais estavam com ele. Depois soube-se que os generais estavam com o soldo. Um com o Rivotril.

Nada aconteceu. Um militar se gabou de prender manifestantes: “eles achavam que estávamos lá para protege-los, de manhã prendemos todos”. Dificilmente a cor da farda recobrará o brilho.

No oito de janeiro, é certo, alguns estavam infiltrados para promover a baderna, outros são trabalhadores, donas de casa, empresários, que cometeram o crime de não entender que após 31 de dezembro de 2022 nada mais poderia ser feito. Não adiantaria ir às ruas. Carregam agora sentenças de 17 anos.

Passados esses quatro anos de “Deus, pátria, família, liberdade”, fica o legado do blefe de Jair Messias Bolsonaro, aquele que bradou e não entregou, latiu, e não mordeu. Ficam também algumas perguntas que precisam de respostas: quem mandou matar o ex-presidente? Por que ele fugiu para os EUA antes do término do seu mandato? E a derradeira e mais importante, uma pergunta misturada com suposição: talvez se tivessem agido em 2019 os homens que deveriam, os parlamentares, os presidentes das casas legislativas, os juízes de bom senso, o Brasil não estaria assistindo a escalada do mal.

Que os ventos mais uma vez mudem de direção.

RODRIGO MATTAR é médico em Passos.