Dia a dia

Dia a Dia

17 de outubro de 2023

Foto: Reprodução

DÉCIO MARTINS CANÇADO

Bananeira não dá pera

“Inúmeros são os ditos populares que explicam os diversos acontecimentos da nossa vida, sempre carregados de sabedoria, professados pelas pessoas que nos antecederam e divulgados através dos tempos pelo ‘boca a boca’ embasados na experiência do dia a dia e na observação dos fatos e da natureza. Eles não perderam o valor pedagógico de nos ensinar, sempre, uma lição ao longo do tempo.

Há pessoas que passam pela vida ‘plantando vento’ e se surpreendem quando acabam por ‘colher tempestades’. Também não é raro se atribuir à sorte as conquistas das pessoas. Que uma parte da conquista é graça, não há dúvidas, mas a outra é esforço, trabalho, dedicação e muita persistência diante das adversidades”.

Em Minas Gerais, assim como em qualquer lugar do Brasil, “ditos populares nos economizam uma série de explicações sobre o que acontece nos relacionamentos humanos, pois comunicam e ensinam, de forma espontânea, direta e bem-humorada. Concluímos, com isso, portanto, o valor da simplicidade em nossos relacionamentos. E, mais ainda, o quanto é complexo ser simples!”

A cada ano que começa, ou a cada final de algum ciclo ou acontecimento digno de registro, somos levados a refletir sobre o que se passou, o que está por vir e o que devemos mudar para melhorar nossa vida, nossos relacionamentos. “É como um caderno novo, que nos impele a organizar e caprichar, somente pelo fato de ser novo. Inúmeros são os propósitos que temos e que, de tantos, acabam no esquecimento. Por isso, precisamos encontrar um tempo para exercitar a simplicidade, tão presente na infância e, por vezes, esquecida na vida adulta.

Parece-nos ser condição da vida adulta abrir mão da simplicidade. Porém, é ela que emoldura a memória emocional, que nos constitui como gente e, para reativá-la ao nível da consciência, é necessário nos perguntar: pelo que o nosso coração ‘suspira’?” Cada um de nós tem um registro especial de alguma lembrança de criança, da vovó ou do vovô, de um cheiro que nos remete a algo gostoso, como um picolé de groselha, o pudim que a mamãe fazia, aquele doce de leite com morango, cortado em pedaços… Lembrança “de uma convivência regada por muitas histórias sobre a vida, que nos ajudaram a ser o que somos, e despertam em nós um orgulho que pulsa, ou seja, ativa um suspiro que nos enobrece ao ‘recordar’ (pensamento que passa pelo coração).

Curiosamente, são as coisas mais simples e singelas que nos marcam positivamente. Não é incomum nos emocionarmos com o cheiro do fogão à lenha. Ele nos remete a um tempo em que a vida era menos complexa e mais intensa de sentido, emerge do exercício dessa memória que nos ‘gentifica’, ou melhor, que resgata os contornos que nos fazem mais gente, mais responsáveis por aquilo que nos tornamos, sem a falsa expectativa de poder colher pêra de uma bananeira!”

Comenta-se muito que as crianças de hoje não estão tendo a oportunidade de vivenciar tudo isso que as pessoas de meia idade e os mais velhos vivenciaram. Algumas, especialmente as que moram em grandes centros, pasmem, não conhecem ‘ao vivo’ um simples animal, como o cavalo, a vaca ou a galinha. Fogão à lenha, talvez conheçam de uma gravura em algum livro cuja leitura é exigida na escola. Doce feito em casa? Nem pensar, pois a grande maioria das mães trabalha fora do lar e, pela educação que receberam, não aprenderam a fazer esse tipo de coisa.

Poderiam, os pais e as escolas, ensinar às crianças muitos desses ditados para que elas pudessem refletir a respeito de seu significado. Conta-se que um pai disse à filha que estava de saída para uma festa: “Devagar com o andor que o santo é de barro”, querendo dizer que ela fosse contida e cuidadosa naquela noite, em relação ao ‘ficar’ com algum rapaz, e que ela, surpresa, voltou e pediu explicações sobre o significado daquele ditado, pois não havia entendido nada.

Daqui a alguns anos, saberemos o que ficou registrado na lembrança das crianças de hoje. É notório que a influência tecnológica é muito grande, através dos ‘celulares’ e “tablets”, que absorvem, cada vez mais, a atenção e a emoção delas; o que será que estão deixando gravados em sua memória emocional? Só o tempo dirá, mas podemos intervir e oferecer algo mais significativo no âmbito do coração e da espiritualidade.
Acredito que elas vão agradecer. (Baseado em texto de Acedriana Sândi)