Opinião

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26 de julho de 2023

WASHINGTON L. TOMÉ DE SOUSA

Querem o seu coração, a sua liberdade… e o seu bolso

“A única semelhança entre o Nacional Socialismo Alemão (nazismo) e o cristianismo é que exigimos o homem por completo. De quem você recebe suas ordens? De Adolf Hitler ou de outro mundo? Onde está a sua lealdade?” (trecho do interrogatório, em um tribunal alemão, do oficial alemão Helmuth Von Moltke, cristão, acusado de traição ao regime nazista, durante a 2ª. Guerra Mundial).

Em tempos de antagonismos exacerbados, de polarizações e de proliferação de tantos “ismos” em que vivemos (iluminismo, capitalismo, socialismo, comunismo, cristianismo, judaísmo, islamismo, ateísmo, cientificismo…), verifica-se, ao final, depois de tudo, que são visões diferentes de mundo, mas que remetem, invariavelmente, às perguntas primordiais que a humanidade se faz desde tempos imemoriais: “Afinal, o que somos nós? Qual o sentido da vida?”.

E, cada ideologia ou filosofia, a seu modo, busca interpretar o mundo, a vida, a humanidade e suas relações, geralmente de forma absoluta e exclusiva das demais, em que você só é validado como pessoa ou como grupo se aderir, incondicionalmente, a uma dessas ideologias – é a ideologia abraçada que vai lhe atribuir valor e sentido de vida; você não os tem por si mesmo. Será?

Falando de duas grandes forças presentes em nossas vidas e no contexto das nações em tempos passados e atuais – capitalismo e comunismo -, alguém já disse, em tom de brincadeira, para explicá-las, através de uma fórmula bem simplista, que o capitalismo é a exploração do homem pelo homem (homem x homem) e que o comunismo é o contrário, ou seja, invertem-se os elementos da fórmula (homem x homem), o que resulta na mesma coisa. Brincadeira ou não, é o que se verifica, na prática, em qualquer uma das duas estruturas, em qualquer lugar do globo terrestre onde imperam: o homem, através de uma pequena elite detentora do poder, explora os demais.

No fundo, no fundo, essas ideologias são “religiões”, com seus deuses, ícones e fiéis seguidores – estes, muitas vezes fanáticos. Uma, é a ideologia, em poucas palavras, promotora do individualismo, é a do deus materialista Mamon, que vê o ser humano pelo viés financeiro, como consumidor de bens e produtos, que a tudo e a todos quer explorar em proveito próprio.

A outra, é a coletivista, também materialista, que interpreta o homem pelo viés do “materialismo histórico”, tendo como deus uma entidade chamada “Estado”, grosso modo falando, que a tudo e a todos quer dirigir, em nome de uma pequena ‘elite’ dominante (‘Nomenklatura’). Ambos os sistemas, cada um à sua maneira, buscam alienar o homem de pensar e de decidir por si mesmo.

E, por falar em religião, esta também é uma terceira grande força presente em nosso cotidiano e no das nações, em nome da qual muitas atrocidades foram e são cometidas. Em nome da qual (de Deus) iniquidades são ou foram justificadas, como a escravidão, a atribuição de inferioridade racial, a manutenção de classes sociais na pobreza como “destino cármico”, perseguição e genocídio dos divergentes ou não professos etc.

Ultimamente, na exploração financeira dos desvalidos da sociedade, com falsas promessas de prosperidade (Teologia da prosperidade). Sem se desconsiderar o bem que também podem ter feito ou promover e por mais elaboradas que possam se apresentar, ao exigirem adesão incondicional aos seus credos e dogmas, não deixam, também, de estar alienando os seguidores de si mesmos e da divindade.

Outrossim, a arte, por meio de uma de suas expressões, a música, expõe bem isso. “Nós não precisamos de controle de pensamento” (Pink Floyd, Another brick in the wall). Esta cativante música da banda britânica foi feita sob encomenda para os momentos atuais em que vivemos. É um libelo contra as ideologias que tentam impor a cada um de nós um modo único de pensar e, consequentemente, agir, matando a individualidade, a alteridade e procurando nos transformar em rebanho dócil, fácil de ser conduzido, um exército de autômatos.

Quem vê o clipe da música e a tradução de sua letra, e tem um mínimo de honestidade intelectual, não pode deixar de se sentir inserido em seu contexto e de refletir sobre o tema.
Não podemos, em nome de paixões ideológicas ou religiosas, alugar, vender ou abdicar da nossa liberdade, do nosso sagrado direito de pensar e decidir por nós mesmos. Ou, ainda, querer submeter o outro à nossa concepção de mundo, por melhor que seja.

Na história da criação narrada no Gênesis subjaz um princípio universal, do qual somos todos depositários, indistintamente, ateus e crentes: o da livre escolha. No relato bíblico, nem o próprio Deus impôs a sua vontade ao homem, mas concedeu-lhe a capacidade de decidir por si mesmo… e de responder pelas consequências.

Pode-se até objetar-se, de que ninguém é livre totalmente. É verdade. Ninguém é uma ilha. Vivemos e convivemos com o outro e com as circunstâncias, influenciamos e somos por eles influenciados. Mas, em última instância, a decisão ainda deve ser pessoal. Se almejamos um mundo melhor para todos, devemos promover, antes, ações que prestigiem o exercício do livre-arbítrio, que aquelas que o impeçam ou que o limitem.

P.S.: Para contrariedade e surpresa de muitos, segundo o texto sagrado, Deus não tem partido ou ideologia (“Eu Sou o que Sou”) e, até mesmo por extensão, Cristo não fundou nenhuma religião, nem mesmo o cristianismo.
Saúde e paz a todos!

WASHINGTON L. TOMÉ DE SOUSA, bacharel em Direito, ex-diretor da Justiça do Trabalho em Passos, escreve quinzenalmente às quartas, nesta coluna