Opinião

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30 de março de 2023

ALBERTO CALIXTO MATTAR FILHO

Uma tristeza infinita, de Antônio Xerxenesky

Dos lugares que gosto de frequentar, as livrarias estão entre os que mais me estimulam. Um mero olhar para as estantes repletas de livros já me dá prazer, pois as livrarias me trazem a contemplação da escrita, essa arte fundamental para o registro da vida, das memórias, da história.

Normalmente, ao estar no espaço daquelas longas fileiras, vou em busca do que já desejo. Mas o aleatório também acontece, quando leio páginas de obras que tenho em mãos e não fazia ideia de que existiam. Vez ou outra, troco palavras com vendedores. Trabalhar em grandes livrarias talvez necessite, para melhor interação com o público que as frequenta, de uma condição especifica: ser leitor, algo ainda raro neste Brasil.

Assim se deu com “Uma tristeza Infinita”, de Antônio Xerxenesky. A princípio, a curiosidade pelo título, depois, a sinopse e os olhos sobre as primeiras páginas. Que agruras inesgotáveis seriam essas? Ora, num mundo que exige alegrias e até otimismo perante tantas angústias, ler algo sobre dores profundas não deixa de ser importante. Eis a essência da literatura, que não se exime de expor a índole humana em quaisquer situações. Que bom!

Antônio Xerxenesky nasceu em Porto Alegre, em 1984. Doutor em teoria literária pela USP, é tradutor e autor de algumas outras obras. Todas foram traduzidas para o francês, o espanhol, o italiano e o árabe. “Uma tristeza infinita” recebeu o Prêmio São Paulo de Literatura, como melhor romance de 2022.

O enredo envolve a trajetória de Nicolas, um psiquiatra francês, que vai trabalhar, no início dos anos 50, em uma clínica de um vilarejo da Suíça que recebe internos de toda a Europa, inclusive os que viveram os horrores da Segunda Guerra Mundial. Sua mulher, Anna, uma jornalista especializada em assuntos científicos, exerce seu trabalho em um centro de pesquisas nucleares de Genebra.

A obra não é longa. Em 245 páginas, aparecem os diálogos entre os dois, momento em que Nicolas lhe relata os casos de alguns pacientes graves de que deveria cuidar, enquanto Anna aborda, com entusiasmo, as descobertas científicas do centro de pesquisas.

Em razão disso, temos um romance em dois polos: os estudos do comportamento, relativos ao ofício de Nicolas, e as evidências técnicas do grupo de adeptos da física, da astronomia e outros ramos da ciência, a área dos profissionais do núcleo de pesquisas de Anna.

Os contrastes das circunstâncias de trabalho de ambos vão sempre crescendo no decorrer dos episódios. Enquanto Nicolas se sente frágil para auxiliar seus pacientes a superar fortíssimos traumas de guerra, Anna acaba se empolgando com as possibilidades das experiências típicas do universo científico.

Ao que parece, Xerxenesky deseja ressaltar os embates intelectuais do casal, o que pode causar a sensação de que giramos em um círculo isento de soluções. Mas a sua intenção é justamente não nos oferecer desenlaces claros para os contrapontos. Caberá ao leitor entender que não há respostas definitivas para campos tão abertos e até inter-relacionais.

Não são mesmo fáceis de digerir as controvérsias resultantes da intelectualidade, sobretudo em um mundo que faz crescer, cada vez mais, o universo dos que vendem as chaves para os caminhos da felicidade, da prosperidade, do sucesso. Ao contrário do que apregoam, os percursos são árduos, um imenso panorama de obstáculos, incertezas e frustrações.

“Uma tristeza infinita” permite, de qualquer modo, um mergulho em ofícios fascinantes. Analisar comportamentos significa manter o foco na história de vida daqueles que precisam de auxílio para tantos sofrimentos. E a importância das pesquisas científicas dispensa maiores comentários.

Nicolas, para melhor compreender os traumas profundos de seus pacientes, começa a refletir sobre os dramas que ocorreram em sua família no passado, como depressão ou melancolia e suicídio. A realidade continua farta em casos dessa natureza, que aí estão diante de nós e exigem estratégias de prevenção. O que dizer dos atuais índices de indivíduos que dão cabo da própria vida?

A obra é incômoda e explora as fronteiras entre razão e insanidade. Chega a apresentar imagens brutais. Persisti. Trata-se, no âmago, de um romance de ideias, cujo valor é estimular o pensamento para temas complexos.
Em meio à névoa de tantos mistérios, surgem a Nicolas, após uma caminhada pelo belo cenário das montanhas suíças, as fagulhas do afeto que ainda nutria por Anna e pela vida. O afeto, esse sentimento tão necessário ao descanso das nossas aflições e tristezas.

ALBERTO CALIXTO MATTAR FILHO escreve quinzenalmente, às quintas, nesta coluna (mattaralberto@terra.com.br)