25 de março de 2023
A ficha de notificação do paciente chamou a atenção da equipe./ Foto: Divulgação.
Neste mês de março, o Laboratório de Arbovírus da Fundação Ezequiel Dias (Funed) recebeu uma amostra de um paciente, cuja ficha de notificação sugeria que o óbito tinha sido causado por dengue. A suspeita se deu primeiro pelos sintomas do paciente e também pelo aumento no número de casos da doença no município onde residia.
Segundo a referência técnica responsável pelo laboratório da Funed, Maira Alves Pereira, a ficha de notificação do paciente chamou a atenção da equipe pelo fato de o exame das transaminases ter apresentado uma considerável alteração, sugerindo uma doença que acometeu o fígado.
“As informações fornecidas pela Unidade de Saúde responsável pelo atendimento do paciente são úteis para guiar os exames a serem realizados. É por isso que prezamos tanto pelo correto preenchimento da ficha. Ao chegar aos laboratórios da Funed, é preciso fazer uma atenta triagem, para que a amostra passe por todos os exames necessários para detectar ou descartar determinada doença”, explica Maira.
Ainda sobre o caso, Maira destaca que o exame inicial foi realizado pela técnica de Mac-Elisa, que é o exame preferencial (padrão ouro) para identificação sorológica da dengue e da febre amarela, sendo a Funed o único laboratório a realizá-lo no estado. No entanto, pelo fato de ser um exame sorológico, ou seja, que detecta os anticorpos que o indivíduo produz contra o agente causador da doença, pode apresentar reação cruzada com anticorpos gerados contra outros agentes etiológicos. No caso citado, a amostra apresentou resultado reagente tanto para dengue quanto para febre amarela.
“Pelo fato dos vírus causadores da febre amarela e da dengue serem do mesmo gênero, o flavivírus, tivemos esse resultado reagente para ambas as doenças. O que nos fez desconfiar que não fosse dengue e sim febre amarela foi o fato da ficha epidemiológica do paciente mostrar alteração hepática, muito comum na última doença”, reforçou a referência técnica em Arboviroses da Funed.
Diante disso, a amostra foi submetida a uma segunda testagem, pela técnica de biologia molecular, específica para identificação do vírus causador da doença. Essa testagem foi capaz de identificar a presença do material genético do vírus da febre amarela, verdadeira causa do óbito do paciente.
“O período em que a amostra é colhida é fundamental para sabermos qual exame realizar. No caso do paciente em questão, como a amostra foi colhida vários dias após o início dos sintomas, o mais aconselhável era realizar um exame sorológico, como o Mac-Elisa, pois o mais comum é que após vários dias da doença os anticorpos eliminem o vírus do organismo, não sendo possível detectá-lo por meio de um exame de biologia molecular. Porém, como a febre amarela tem essa peculiaridade de uma elevada carga viral, mesmo passado alguns dias do início dos sintomas da doença, foi possível identificar a verdadeira causa do óbito”, conta Maira.
Para o chefe do Serviço de Virologia e Riquetsioses (SVR) da Funed, Felipe Iani, explicar as etapas de um exame, desde quando a amostra dá entrada na Funed até chegar ao resultado final, é fundamental para que a população saiba quão criterioso é o processo de um laboratório público como o da Funed, e para reforçar, junto aos serviços de saúde dos municípios, a relevância de um preenchimento mais completo possível da ficha do paciente.
“Sabemos que esse é um trabalho que deve ser feito em conjunto entre a Funed e os municípios, tendo a Secretaria de Estado de Saúde como importante parceira para estimular o correto tratamento dos dados, inclusive para uma avaliação epidemiológica que possa contribuir para o controle da doença”, enfatiza Felipe.
O chefe do SVR conta ainda que, no caso da amostra de febre amarela, o processo não terminou com o resultado positivo encaminhado ao município. A amostra segue agora para um sequenciamento genético, ainda no SVR, a fim de identificar a origem do vírus.
“A partir de uma análise genômica, será possível saber se o vírus ainda é o mesmo que circulou na última epidemia da doença, em 2018, ou se houve mutações, e também se é o mesmo vírus do caso confirmado no estado de São Paulo, em janeiro deste ano, uma vez que o município do caso mineiro faz limite com o estado de São Paulo”, complementa.
A Funed também vem atuando ativamente no monitoramento da doença. Por meio do Laboratório de Entomologia, do Serviço de Doenças Parasitárias, a Fundação realiza a análise dos vetores da febre amarela (mosquitos) coletados em áreas com epizootias (ocorrência da doença). Uma vez identificado o local com suspeita de circulação do vírus da febre amarela, são instaladas armadilhas no local para capturar os mosquitos vetores. Após capturados, os mosquitos são identificados por gênero e espécie e é feito o exame molecular para verificar a presença dos vírus. Em regiões com suspeita da circulação do vírus, os agentes de endemias da Funed e outros profissionais municipais atuam dentro das matas, buscando localizar símios, como micos e macacos, possivelmente infectados, para coleta de amostras (vísceras).